Tratoraço ambiental

Esvaziamento de ministérios afeta política ambiental e internacional de Lula, afirma Carlos Minc

Ex-ministro do Meio Ambiente também contesta aliança no Congresso para “usurpar direitos dos povos indígenas”. Governo avalia ir ao STF contra alterações e CNDH pede a AGU que revogue parecer sobre o marco temporal

Marcello Casal/Agência Brasil
Marcello Casal/Agência Brasil

São Paulo – O esvaziamento de ministérios, por meio de reestruturação, “prejudica a política ambiental e até internacional” do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A avaliação é do deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ), que foi ministro do Meio Ambiente no segundo governo Lula . Em entrevista à edição desta quinta-feira (25) do programa ICL Notícias, transmitido pela TVT, Minc criticou a retirada de atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas.

As mudanças foram feitas ontem (24) pela comissão mista do Congresso que aprovou medida provisória que reestrutura as pastas do Executivo. Para o deputado, a manobra dos parlamentares vai na contramão das bandeiras que elegeram o presidente da República e que são apoiadas inclusive no exterior. “Lula tem levantado a bandeira climática e da Amazônia. Até para arrecadar recursos para o Fundo Amazônia que eu próprio criei em 2008 e vi como isso foi importante para nós reduzirmos em 50% o desmatamento em dois anos”, observou.

De acordo com Minc, de fato há um golpe com a aprovação da MP, como apontou a ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, Marina Silva. Ele, contudo, não acredita que a ministra deva deixar o governo. “Ela é dura na queda”, afirmou. Integrantes do governo federal também vêm afirmando que o Executivo deve recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a MP, caso ela seja aprovada pela Câmara e pelo Senado.

Mudanças exigem resposta popular

Entre as principais derrotas com as mudanças, está a transferência do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Meio Ambiente para o Ministério e Gestão e Inovação. Minc explica que o cadastro é fundamental para combater a grilagem de terra, o desmatamento e avançar na recomposição ambiental. Por outro lado, o deputado estadual contesta que o governo não tenha blindado Marina das mudanças. O Executivo deverá apontar que o Congresso não tem prerrogativa para alterar as competência do Ministério do Meio Ambiente. E que a atribuição é exclusiva do presidente, segundo informações do portal g1.

Para o ex-ministro, a sociedade brasileira precisa se manifestar para barrar o esvaziamento das pastas. Ele acrescenta que a postura dos deputados federais também foi reacionária ao incluir, de última hora, a aprovação do regime de urgência do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que trata do marco temporal para terras indígenas. A medida deve ir a votação na próxima terça (30), perto do julgamento no STF, marcado para junho.

“Houve uma ampla aliança para usurpar direitos dos povos indígenas. O povo tem que ir para a rua se manifestar claramente. O presidente Lula se elegeu dizendo que ia demarcar, que ia criar um ministério e e ele começou muito bem a fazer isso. (…) E como uma minoria, que perde o governo, consegue aprisionar uma fala e bandeira tão importante e decisiva que levou também à vitória de Lula? Essa diferença que o povo tem que ir para a rua manifestar. Isso e inaceitável, grave e vem junto com o esvaziamento dos ministérios”, relaciona Minc.

CNDH cobra AGU sobre o marco temporal

Em reação, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) pediu à Advocacia Geral da União (AGU) que revogue, com urgência, seu parecer sobre o marco temporal. Enviado em 2017 ao Supremo Tribunal Federal (STF), ainda durante o governo de Michel Temer (MDB), o posicionamento foi construído conforme a defesa dos interesses dos integrantes e apoiadores daquela gestão. A informação é do Brasil de Fato.

A ministra Rosa Weber afirmou que colocará em pauta o marco temporal ainda neste mês de junho. Trata-se de uma tese política – e não jurídica –, que dificulta o direito dos povos indígenas à demarcação de sua terras. Se for considerada constitucional, essa tese, de interesse dos ruralistas, vai afetar todos os processos de homologação em tramitação. Isso porque faz uma série de exigências às comunidades. Entre elas, provar que ocupava o território reivindicado na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. Como se não houvesse no país um histórico de disputas desleais, com uso desproporcional da força e expulsões.

No Parecer 001/2017, que marca a posição do então governo no debate, a AGU legitima invasões, expulsões e violência contra os povos indígenas. E, segundo o CNDH, é um instrumento a serviço dos ruralistas, para inviabilizar demarcações de territórios. Bem como rever demarcações concluídas ou em andamento. 

Expectativas

Em entrevista ao Brasil de Fato, o atual presidente do CNDH, André Carneiro Leão, disse que a mudança de posicionamento da AGU é necessária, já que o parecer enviado em 2017 bate de frente com normas e legislações vigentes, incluindo a própria Constituição. Além disso, ele afirmou que é possível supor que o posicionamento vigente tem relação com a posição ideológica do governo da época.

“E essa é nossa preocupação. A AGU não deve ser uma estrutura de governo, mas sim uma estrutura de Estado, que se oriente por parâmetros jurídicos que respeitem os Direitos Humanos e as convenções internacionais sobre o tema”, destacou.

Além de solicitar a revogação do parecer, o CNDH solicitou uma reunião com o Advogado-Geral da União, Jorge Messias. A solicitação foi feita em conjunto com um grupo de advogadas e advogados, mas ainda não havia sido respondida.

“Agora depende de um movimento deles [AGU]. Nós temos a previsão de julgamento do marco temporal [no STF] no dia 7 de junho, e nossa expectativa é que, antes desse julgamento, tenhamos possibilidade de dialogar com o Advogado-Geral da União sobre esse tema para que a AGU possa rever, inclusive, seu posicionamento no âmbito desse julgamento”, complementou Carneiro Leão.

‘O parecer do genocídio’

Formalmente chamado Parecer Normativo 001/2017, o documento publicado pela AGU em 20 de julho de 2017 prevê uma série de restrições à demarcação de terras indígenas. Órgãos ligados à defesa da causa, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), referem-se ao documento como “parecer antidemarcação” ou mesmo “parecer do genocídio”.

“O Parecer foi publicado pela AGU no governo de Michel Temer, em meio às negociações do então presidente para evitar que as denúncias de corrupção contra ele, feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), fossem aceitas pela Câmara dos Deputados. As negociações envolveram a liberação de emendas a parlamentares e também o atendimento à pauta de setores e bancadas, como a ruralista”, lembra o Cimi, em texto publicado em seu site.

A expectativa da entidade agora é que, frente aos novos ataques, o julgamento no STF assegure “os direitos constitucionais indígenas, garantindo a proteção dos territórios e a própria existência dos povos originários”.

Redação: Cida Oliveira e Clara Assunção