Linguagem do crime

Lira tenta fazer governo Lula e o Brasil de ‘reféns’ com ‘chantagens’, avalia jurista

Especialistas analisam a relação do Executivo com a Câmara dos Deputados e destacam que, para além de erros na articulação política, Lira e os líderes do centrão estão “chantageando” o governo para liberação de emendas e nomeação em cargos

J. Batista/ Câmara dos Deputados
J. Batista/ Câmara dos Deputados
"Nós estamos em uma constante tentativa de modificações das formas de golpe", alerta o jurista Fernando Fernandes

São Paulo – Para o advogado criminalista e pesquisador Fernando Fernandes, o argumento de que há uma desarticulação política entre o Executivo e a Câmara dos Deputados é, antes de tudo, “um discurso para colocar o governo como refém”. A narrativa tem como principal agente o presidente da Casa Legislativa, Arthur Lira (PP-AL), que já afirmou a interlocutores, de acordo com reportagem da Folha de São Paulo, publicada nesta quinta-feira (1º), que não pautará projetos de interesse do presidente Lula (PT) “até que os deputados avaliem que o governo ajustou a articulação política e a relação” com a Câmara.

O ajuste passa, sobretudo, pela liberação de emendas, nomeações em cargos e mais espaço no governo, que vêm sendo pressionado por Lira e líderes do centrão. Uma “chantagem”, nas palavras do jurista, em entrevista à edição desta quinta do ICL Notícias, transmitido pela TVT. “Nós devemos tomar o devido cuidado com essa forma de chantagem em relação ao governo. A tentativa de colocar o governo sob uma situação de refém. E mais, fazer com que o governo se descaracterize ou não consiga fazer a política para a qual foi eleito”, observou. 

A postura de Lira também mostra uma “constante tentativa de modificação das formas de golpe”, segundo Fernandes, que vem desde 1961, com o golpe do parlamentarismo contra João Goulart, que antecipou a ditadura, em 1964, até o golpe do impeachment, contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016. A Operação da Lava Jato e o ataque antidemocrático, no dia 8 de janeiro, também mostram essas alterações de forma para uma derrubada ilegal. “Lula e o governo progressista foram uma vontade do povo brasileiro. Portanto, não podemos permitir com que essas formas de política descaracterizem as eleições, o que seria uma nova forma de golpe”, destaca Fernandes.

‘Linguagem do crime’

A própria aprovação da Medida Provisória 1.154, a MP dos Ministérios, na Câmara, também é vista como uma forma do atual governo alinhar sua esplanada aos moldes da gestão anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro, ainda representado por Lira. A medida, por um lado, garantiu o desenho de 37 ministérios de Lula. Mas, por outro, esvaziou as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, alterou a estrutura do Ministérios dos Direitos Humanos, entre outras mudanças.

“Pode ter erros de articulação política (no governo) mas, neste caso, não é disso que estamos falando. Enquanto o governo não ceder às chantagens de Lira, ele (presidente) continua com a faca no pescoço. É uma linguagem do crime”, comenta a jornalista do ICL Notícias, Cristina Serra. Especialista na cobertura política, ela analisa que Lira está em uma “posição de poder de profanação que desequilibra o jogo político”. E que “confunde seus interesses pessoais e de seu grupo político com a instituição Câmara dos Deputados”.

O advogado e a jornalista analisam ainda que, apenas a pressão popular, pode reduzir o poder político de Arthur Lira. “A força política junto ao povo, a aprovação do governo Lula, o andar da economia, farão com que o governo federal tenha forças suficientes para colocar sua política no jogo”, ressalta Fernandes.

Lira sob investigação

A situação do presidente da Câmara também deve se complicar com a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele seja julgado por suposta prática de corrupção passiva. Segundo a denúncia, Lira aceitou, por meio de assessor, a propina de R$ 106 mil ofertada pelo então presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Francisco Colombo. O dinheiro teria sido recebido no Aeroporto de Congonhas pelo assessor parlamentar Jaymerson José Gomes. Segundo os investigadores, ele teria sido enviado a São Paulo pelo deputado.

Além disso, a Polícia Federal também cumpriu, nesta quinta, mandados de busca e apreensão em endereços de aliados do presidente da Câmara. A PF apura desvios em contratos para a compra de kits de robótica com dinheiro do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). De acordo com Cristina, Lira “tem muito a ser investigado”, uma vez que foi blindado, no passado, por Bolsonaro. O advogado criminalista pondera, porém, que as apurações não podem se confundir com a resolução de problemas políticos via judiciário, que desaguou, no passado, na Lava Jato.

Saiba mais na entrevista completa:

Redação: Clara Assunção


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