Confissão de culpa

‘Roteiro do golpe’ em celular de Mauro Cid desmonta tese de que Bolsonaro nada sabia 

Trama para manter Jair Bolsonaro no poder foi encontrada pela PF no celular do ex-ajudante de ordens. Documento mostra que havia gente “graúda” empenhada em atacar a democracia 

Reprodução/Youtube
Reprodução/Youtube
Bolsonaro e seu então ajudante de ordens, Mauro Cid. Fraudes em carteira de vacinação

São Paulo – Está cada vez mais difícil sustentar a tese de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estava alheio à tentativa de golpe de Estado, que culminou nos ataques às sedes do Três Poderes em 8 de janeiro. A avaliação foi feita pelo economista Eduardo Moreira e o colunista Guilherme Amado, na edição desta sexta-feira (16) do ICL Notícias. O programa, transmitido pela TVT e Rádio Brasil Atual, repercutiu os arquivos encontrados no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que detalham um “plano de golpe”.

O roteiro do ataque faz parte de um relatório de 66 páginas produzido pela Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, divulgado nesta quinta-feira (15) pela revista Veja. De acordo com a reportagem, os peritos escrutinaram mensagens de WhatsApp, áudios, backups de segurança e arquivos armazenados pelo auxiliar do ex-presidente em seu aparelho celular. O conjunto do material não deixa dúvida de que nos últimos dias do governo Bolsonaro havia gente graúda empenhada em atentar contra a democracia.

A maioria das mensagens reveladas são de autoria do coronel Jean Lawand Junior, subchefe do Estado-Maior do Exército, ao longo de dezembro do ano passado. Entusiasta do golpe, Lawand pede a Cid que “convença o 01 a salvar esse país”. “O homem (Bolsonaro) tem que dar a ordem. Se a cúpula do EB (Exército Brasileiro) não está com ele, da divisão para baixo está. Assessore e dê-lhe coragem”, acrescenta o coronel.

Passo a passo para o golpe

Em outro trecho, o militar ainda diz que o ex-presidente não poderia “recuar agora”. E que não tinha “nada a perder”. “Ele vai ser preso. O presidente vai ser preso. E, pior, na Papuda, cara”, escreveu ao ajudantes de ordens.

O documento encontrado pelo PF não é o mesmo da minuta do golpe flagrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Mas, a exemplo dela, os arquivos apreendidos com Cid também têm como alvos primordiais os magistrados do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O roteiro, passado ao ajudante de ordens, ainda foi batizado de “Forças Armadas como poder moderador”.

O plano de golpe, que terminaria na convocação de novas eleições, se sustenta na tese de que haveria um conflito entre os Poderes e que as Forças Armadas poderiam ser chamadas para intervir. Para isso, o primeiro passo seria nomear um interventor. A figura coordenaria “as medidas de restabelecimento da ordem constitucional”, descreve o roteiro golpista. Na sequência, entram como alvos o Judiciário, que teria seus atos suspensos. Além disso, também seriam afastados preventivamente aqueles que “praticaram atos de violação direta da Constituição”.

Troca de mensagens

O argumento mira a substituição de Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski no TSE pelos ministros indicados por Bolsonaro, Nunes Marques e André Mendonça, além de Dias Toffoli. A partir daí, um novo pleito poderia ser convocado após o reconhecimento da “violação” do tribunal à Constituição.

A troca de mensagens também mostra um “infelizmente” de Cid quando Lawand reconheceu que um golpe não aconteceria. E sua resposta de “muita coisa acontecendo” ao ser estimulado a mobilizar o ex-presidente para o ataque. As conversas também envolvem sua esposa Gabriela Cid, que aparece fazendo convocações para que apoiadores de Bolsonaro “invadam” Brasília. Em um diálogo com Ticiana Villas Bôas, filha do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que defende novas eleições e a adoção do voto impresso. “Estamos diante de um momento tenso onde temos que pressionar o Congresso”, declara.

“Ou isso ou a queda de Moraes”, responde a filha de Villas Bôas. A reportagem também aponta que Cid fazia parte de um grupo de WhatsApp com “militares da ativa”. A PF não identifica esses militares, mas lista mensagens com pregação golpista e uma ameaça ao presidente do TSE, o “careca”. “Estejamos prontos? A ruptura institucional já ocorreu”, diz o grupo.

Provas contra Bolsonaro

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro está preso desde maio, acusado de fraudar cartões de vacinação contra a covil-19. Ele se negou a falar quando depôs à Polícia Federal. Para Guilherme Amado, porém, tanto Cid como Lawand devem ser afastados imediatamente do Exército por planejarem um golpe contra a democracia. “Isso tem que ser pedagógico para essas gerações que vêm”, ressalta o colunista do ICL Notícias.

As novas denúncias também acontecem perto do início do julgamento de Bolsonaro no TSE, na próxima quinta (22), que podem torná-lo inelegível. E dão ainda, segundo o jornalista, “mais substância da importância da inelegibilidade de Bolsonaro”.

“Ele ser responsabilizado e eventualmente preso pelos crimes que cometeu seria algo muito importante? Sim. Mas fundamental é ele perder os direitos políticos e se tornar inelegível. Isso é fundamental e urgente porque a gente precisa ter a certeza de que não teremos um candidato golpista como Bolsonaro novamente. (…)  É fundamental para a gente aproveitar essa chance que estamos tendo com a nossa democracia. É um intervalo que a gente ganhou e a gente pode não ter outra chance dessas”, adverte.

Saiba mais:

Redação: Clara Assunção