Audiência pública

Deputados vão questionar no Supremo mudanças feitas na EBC

Alterações nas regras da estatal foram feitas por uma medida provisória ainda não aprovada pelo Legislativo. Comissão especial para apreciar a matéria foi instalada hoje na Câmara

Lia de Paula/Ag Senado

Tereza: ‘A EBC vinha conquistando visibilidade no oferecimento de informação confiável e pluralista’

Brasília – Ao discutir hoje (19), durante audiência pública, a questão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que teve suas regras de criação e gestão alteradas, assim como a substituição do presidente, diretores e integrantes do seu conselho curador por profissionais indicados pelo atual Executivo, deputados ficaram de ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, nos próximos dias. O objetivo da iniciativa é pedir para ser avaliada a Medida Provisória 744, que ratificou as mudanças na estatal e modificou o seu estatuto. Eles também ficaram de ampliar os protestos contra as mudanças feitas na EBC nos plenários da Câmara e do Senado e, ao mesmo tempo, trabalhar para rejeitar o texto da MP – uma vez que a comissão especial para apreciar a matéria foi instalada nesta quarta-feira.

A discussão foi objeto de audiência pública realizada pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados e mostrou que existem vários aspectos por trás das ameaças à EBC, como uma tentativa de agradar e atender a pedidos dos veículos tradicionais de comunicação e de extinguir o modelo de comunicação pública implantado oito anos atrás no país, com a criação da estatal. No evento foram mencionados, inclusive, casos de perseguição e censura dentro da empresa, denunciados aos ex-dirigentes por servidores que continuam trabalhando lá.

O ex-presidente da empresa, jornalista Ricardo Melo, lembrou que a EBC foi criada com um conselho curador justamente para que não houvesse interferência por parte do governo nos cargos indicados para diretorias e presidência da estatal. “A criação da empresa foi um avanço inegável do ponto de vista das conquistas democráticas, porque foi uma TV que, até tudo isto acontecer, fugiu dos interesses comerciais e procurou divulgar informações para minorias e voltadas para a diversidade”, contou.

O jornalista também negou argumentos de que existia aparelhamento dentro da estatal, com altos salários pagos a integrantes dos governos do PT. Ele disse que deixou a empresa em situação superavitária e acusou a iniciativa do Executivo, ao editar a MP com as novas regras, como “uma forma encontrada pelo governo Temer de fazer com que presidente, diretores e demais cargos possam ser trocados pela Presidência da República sempre que isso for conveniente”. “A intenção é acabar com uma empresa que tinha a proposta de ser de comunicação pública para transformá-la numa empresa do governo”, afirmou.

A jornalista Tereza Cruvinel, que foi a primeira profissional a presidir a EBC e participou dos trabalhos que culminaram com a criação da estatal, disse que essa ação contra a comunicação pública faz parte do processo de desmonte do Estado, da mesma forma como acontece com o projeto que flexibiliza as regras do pré-sal, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 – que congela os gastos públicos por 20 anos –, a reforma do ensino de segundo grau e várias outras iniciativas que representam retrocessos para o país. “Está tudo num mesmo pacote”, afirmou.

Na opinião de Teresa, a crise na comunicação pública observada com as mudanças na EBC não tem obtido uma visibilidade necessária para produzir resistência às ações empreendidas até agora, por conta dos outros temas que estão em tramitação no Congresso, como as matérias legislativas já citadas. “A EBC vinha conquistando nos últimos tempos uma visibilidade e reconhecimento, no oferecimento à sociedade de informação confiável, pluralista e para os que não têm vez”, ressaltou.

Alternativas jurídicas

O deputado Adelmo Carneiro Leão (PT-MG), responsável pelo requerimento que levou à audiência pública sobre o tema, afirmou que acha muito difícil o Congresso conseguir barrar a MP nas circunstâncias atuais, mas disse que é importante serem buscadas alternativas jurídicas e, também, ampliadas as manifestações de movimentos sociais e entidades do setor para ajudar a convencer os parlamentares.

O presidente da comissão, deputado Leo de Brito (PT-AC), destacou que o momento precisa ser de resistência contra o atual governo, marcado “pelo autoritarismo e o caráter golpista”. Jorge Solla (PT-BA), outro a falar e defender a estatal, afirmou que ainda há pessoas achando que o país vive um estado democrático, “quando inúmeras iniciativas, como essa MP, rasgam a Constituição a toda hora”.

“A questão da EBC foi uma intervenção clara e lembramos que há outros casos em curso, como a censura observada no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) nos últimos dias”, disse Solla –  numa referência ao órgão de pesquisa onde foi exonerada, na última semana, uma pesquisadora que elaborou trabalho analítico sobre prejuízos a serem causados na Educação e na Saúde com a PEC 241.

Paulo Teixeira (PT-SP) pediu aos colegas para que se organizem mais no sentido de combater tais retrocessos e acompanhar, de perto, a tramitação da MP na comissão especial que vai apreciar a matéria. Já Paulo Pimenta (PT-RS) destacou que o que está em jogo, em todo esse processo, é bem mais profundo.

Também nos estados

“Estamos diante de um processo com características e propostas mais graves do que boa parte da população pode observar e é por conta disso, dessas medidas que estão tentando implantar, que há esse interesse em desmobilizar um sistema de comunicação pública nos moldes da EBC”, destacou o deputado.

O representante da Federação dos Radialistas, José Antonio Jesus da Silva, lembrou que o processo de desmonte da comunicação pública não acontece apenas em relação à EBC, mas vem sendo observado também nos sistemas de radiofusão dos estados.

“Temos grande preocupação, neste momento. Para se ter ideia, temos na TV Câmara, TV Senado e em algumas emissoras estatais, profissionais que são contratados por empresas de serviços gerais”, denunciou – ao sugerir que o debate precisa ser mais amplo do que a desestruturação das regras da EBC em si.

Nenhum representante da Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto nem da atual gestão da EBC compareceu à audiência pública, embora a CFFC tenha feito convite para a participação de representantes do governo no debate.

Por sua vez, a comissão especial criada para apreciar a MP que mudou o estatuto da EBC tem caráter misto (ou seja, é formada por deputados e senadores). Terá como presidente o deputado Ságuas Moraes (PT-MT)  e como relator, o senador Lasier Martins (PDT-RS).