Golpismo e terrorismo

Anderson Torres sabia de plano de invasão a Brasília, diz Cappelli

Em relatório enviado aos três poderes, interventor da segurança pública no DF afirma que acampamento em frente ao QG do Exército teve papel “central” na tentativa fracassada de golpe

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Diante da inação do ex-secretário e politização, comandante da PM-DF perdeu o comando da tropa

São Paulo – Durante apresentação, nesta sexta-feira (27), do relatório sobre os atos criminosos durante o ataque aos três poderes, Ricardo Cappelli afirmou que o então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres sabia sobre o plano de invasão bolsonarista. Cappelli é o interventor da segurança pública do DF nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ele destacou que, dois dias antes, a Secretaria de Segurança Pública recebeu informações da área de inteligência sobre a alta probabilidade de atos violentos programado para o domingo seguinte, 8 de janeiro, em Brasília. Torres, no entanto, não tomou providências. No dia seguinte, o também ex-ministro de Bolsonaro viajou de “férias” para os Estados Unidos.

“Houve informação sobre o que aconteceria no dia 8. Há relatório da Secretaria de Segurança Pública do dia 6 onde está escrito textualmente. O informe foi entregue no gabinete do secretário do DF [Anderson Torres] no próprio dia 6 e dizia que na manifestação, convocada como ‘tomada do poder’, existia ameaça concreta de invasão aos prédios públicos”, revelou.

Apesar do alerta da inteligência, não houve a elaboração de um plano operacional nem emissão de ordens de serviço para a atuação policial. Ao contrário, Cappelli afirmou que a secretaria nem sequer enviou o informe aos principais batalhões da capital federal.

“Coincidências”

“Chama atenção essas duas questões. Primeiro, não houve plano operacional e nem sequer ordem de serviço. Só houve um memorando (do setor de inteligência) encaminhado, mas que não chegou a batalhões importantes”, afirmou o interventor. “Então, há uma falha operacional.”

Nesse sentido, Cappelli afirmou que, “na melhor das hipóteses”, faltou comando e responsabilidade” da parte do então secretário. Mas foi além. Disse que Torres promoveu “instabilidade” na segurança pública. “Fez exonerações, trocas. Logo depois, ele viajou”. Para ele, esse conjunto de “coincidências” podem caracterizar “algo muito pior do que ausência de comando e responsabilidade.”

“Ação coordenada”

Se de um lado não havia comando nem planejamento, a ação dos golpistas foi “coordenada”, disse Cappelli. “Todos levantam [os gradis] ao mesmo tempo. Há um movimento coordenado, isso chama muito a atenção.”

Eles usavam rádios para se comunicar e, além disso, portavam máscaras e óculos especiais contra gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Também possuíam luvas específicas para manipular as bombas de efeito moral que os policiais usariam na repressão.

Já o contingente reduzido que fazia a proteção da Esplanada dos Ministérios era composto por “alunos do curso de formação de praças da PM, com pouca experiência de campo”. Estes, por sua vez, estavam sem proteção adequada. Não usavam exoesqueleto e, alguns, nem capacete, como mostram imagens reveladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta semana.

Diante desse cenário, o interventor afirmou que o então comandante da PM-DF, coronel Fábio Augusto – após afirmar ao governador Ibaneis Rocha que “estava tudo tranquilo“, chegou a ordenar movimentos para barrar a invasão mas, nas palavras de Cappelli, “perdeu o comando”.

“O comandante esteve em campo, atuou individualmente, mas perdeu o comando e a capacidade de comando das tropas ao longo do dia 8. Fez apelos que foram ignorados e não foram atendidos”, afirmou Cappelli. Ele atribuiu essa quebra no controle da linha de comando à “politização” das forças de segurança.

“Minicidade golpista e terrorista”

O relatório da intervenção reúne fotos, imagens, memorandos, ofícios e informações sobre todo o processo relacionado ao acampamento golpista no Quartel-General (QG) do Exército em Brasília e os atos preparatórios para os ataques que depredaram o coração do poder federal. Cappelli anunciou que o relatório agora será enviado aos chefes dos Poderes e disponibilizado para acesso público.

Sobre o acampamento em frente ao QG do Exército, ele afirmou que a instalação teve papel central na tentativa fracassada de golpe. “Todos os atos tiveram sua organização, planejamento e ponto de apoio no acampamento. Aquilo virou um centro de construção de planos contra a democracia brasileira”, afirmou.

Ele ainda destacou a complexidade do esquema montado debaixo das vistas dos militares. “Não era um acampamento comum. Acampamento não tem cozinha montada, infraestrutura de banheiros químicos, geradores. Era uma verdadeira minicidade golpista montada em frente ao QG do Exército”, avaliou.

Ricardo Cappelli também destacou que as investigações vão prosseguir e afirmou ter confiança nas corregedorias da PM e dos demais órgãos de segurança pública. “Aqui não é um ponto de chegada, mas sim um ponto de partida. Todas essas investigações vão prosseguir, principalmente na individualização de condutas”. A intervenção federal na segurança pública do DF encerra na próxima terça (31), véspera do início do ano legislativo.

Leia o relatório de Ricardo Cappelli sobre os atos terroristas em Brasília

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