Foi golpe

Lula volta a chamar Temer de ‘golpista’, e discurso no Uruguai ganha destaque como ‘reparação histórica’

“Lula acerta em chamar o golpe de golpe”, repercutem parlamentares. Emedebista foi lembrado em discurso no Uruguai, quando Lula disse a Lacalle Pou ter herdado um “país semidestruído” por “três anos do golpista Michel Temer e quatro do governo Bolsonaro”

Marcelo Camargo/ABr
Marcelo Camargo/ABr
Mídia comercial e Temer se incomodaram por Lula chamar o impeachment da ex-presidenta Dilma de golpe. Nas redes, parlamentares ressaltam que "sem crime de responsabilidade, não tem outro nome"

São Paulo – O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Montevidéu, chamando o ex-presidente Michel Temer de “golpista” continua repercutindo nesta quinta-feira (26). Ontem, ao lado do presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, Lula lembrou do emedebista ao afirmar que herdou um país “semidestruído”. O presidente detalhou que, quando deixou seu segundo mandato, em 2010, o Brasil figurava como a sexta maior economia do mundo. E que atualmente ocupa a 13ª posição. Lula observou, no entanto, que esse desafio não o deixa “triste”, mas com “coragem” e o obriga a “estabelecer metas”.

“O Brasil não tinha mais fome quando deixei a presidência da República. E hoje tem 33 milhões de pessoas passando fome. Significa que quase tudo que nós fizemos de benefício social em meu país, em 13 anos de governo, foi destruído em sete. Três do golpista Michel Temer e quatro do governo Bolsonaro”, comentou Lula. 

A fala do presidente provocou reações de apoio, mas também de incômodo, sobretudo em setores da imprensa comercial e do próprio Temer, que ainda nesta quarta rebateu a declaração. Em nota divulgada em seu perfil no Twitter, o ex-presidente errou a grafia do nome do petista, ao chamá-lo pelo nome completo com “Luis”, e afirmou que o presidente “parece insistir em manter os pés no palanque e os olhos no retrovisor, agora tentando reescrever a história por meio de narrativas ideológicas”. 

‘Reparação’

Vice de Dilma Rousseff (PT), Temer ainda afirmou que o Brasil “não foi vítima de golpe algum”. E que, na verdade, sofreu sim “um golpe de sorte”. O que foi ecoado pela mídia comercial, que criticou Lula pela fala, repercutindo a declaração junto a apoiadores do golpe. A jornalista e comentarista política da Bandnews FM Dora Kramer chegou a noticiar nesta quinta, em seu Twitter, que o emedebista estaria “profundamente irritado com Lula”. Também apoiadora do processo que depôs Dilma, a jornalista ainda reproduziu uma agressão do ex-presidente ao atual, que disse a ela, ontem, que foi “secretário de segurança, sei lidar com bandido”. 

A manifestação de Lula, por outro lado, ganhou destaque como uma “reparação histórica”. Na Argentina para sua primeira viagem internacional após a posse, Lula já havia classificado o impeachment de Dilma como um “golpe de Estado”. A ex-presidenta sofreu o processo em 2016 sob a acusação de promover “pedaladas fiscais”, que seriam operações contáveis feitas pelo Executivo para cumprir metas fiscais. O suposto crime foi apontado pelo ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes. 

Mas, na mesma época, peritos do Senado avaliaram as manobras fiscais do então governo a pedido da Comissão Especial do Impeachment e, ao contrário do ministro do TCU, indicaram que não houve interferência da presidenta. Dilma, acabou, porém, sofrendo o golpe. Em março de 2022, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região reconheceu, no entanto, que não houve lesão aos cofres públicos no governo Dilma. E, com isso, extinguiu, por unanimidade, uma ação popular que pedia que a ex-presidenta reembolsasse a União pela suposta “pedalada fiscal”. 

Foi golpe

A decisão corroborou um artigo escrito um mês antes pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. Na publicação, o magistrado também garantiu que o impeachment de Dilma não foi motivado por pedalada fiscal, mas apenas por pressão política. O próprio Temer chegou a reconhecer a manobra para destituir a ex-presidenta em uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2019. Além disso, o ministro responsável pela acusação no TCU foi flagrado, após as eleições presidenciais em outubro do ano passado, conspirando um golpe em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). 

“Setores da imprensa estão criticando Lula por dizer que o impeachment de Dilma foi golpe. Impeachment sem crime é golpe, SIM!”, destacou a deputada federal Erika Kokay (PT-DF). “Foi golpe”, destacou o também deputado federal Ivan Valente (Psol-SP). “Impeachment sem crime de responsabilidade não tem outro nome, Lula acerta em chamar o golpe de golpe”, ironizou. O parlamentar ainda ressaltou que o “Brasil tomou um rumo muito equivocado em 2016 com o golpe contra a Dilma, antessala para a destruição bolsonarista”. 

Internautas também acrescentaram que o golpe contra Dilma foi “parlamentar” e contou com o apoio da “mídia, do mercado financeiro e dos militares”. Com Dilma afastada, Temer conseguiu colocar em curso uma série de reformas neoliberais, seguidas por Bolsonaro, que reduziram direitos trabalhistas, investimentos sociais e o crescimento do país. 

Dobradinha Temer-Bolsonaro

Reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, sobre a fome, exibida no último domingo (22), mostrou que em 2004, no começo do primeiro governo Lula, o país tinha 9,5% da população em insegurança alimentar grave. Em 2009, o percentual de pessoas nessa condição caiu para 6,6%. Até chegar em 2013, no governo Dilma, após 10 anos da implementação do Bolsa Família, eram 4,2%. O que tirou o Brasil do chamado Mapa da Fome da ONU. 

Essa chaga social, no entanto, voltou a se agravar em 2018, já no governo Temer, quando 5,8% passaram a sofrer insegurança alimentar grave. Um percentual que só aumentou, desde então, foi para 9%, em 2020, até bater recorde de 15,5%, no último ano da gestão Bolsonaro. O equivalente a 33 milhões de brasileiros com fome, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan). 

Segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está nos Estados Unidos desde que fugiu do Brasil, em 30 de dezembro, entrou em contato com Temer para prestar “solidariedade”. 

Confira alguns repercussões:

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima