Negociação

Lula chega a Montevidéu com a missão de ‘fortalecer o Mercosul’ e brecar acordo entre Uruguai e China 

Presidente brasileiro desembarca no Uruguai para tentar encontrar uma saída diplomática pela preservação do Mercosul, que se vê ameaçado pela negociação de acordos de livre comércio com a China, à revelia do bloco

Tânia Rego/ABr
Tânia Rego/ABr
Lula encontra o presidente do Uruguai, Lacalle Pou (à direita) às 12h desta quarta (25). À tarde, o petista se reúne com o ex-presidente José Mujica (à esquerda)

São Paulo – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desembarca em Montevidéu, por volta das 11h desta quarta-feira (25), para tentar encontrar uma saída diplomática pela preservação do Mercosul. Formado além do Uruguai e Brasil, por Argentina e Paraguai, o bloco econômico se vê ameaçado por um acordo de livre comércio com a China que vem sendo negociado há pelo menos dois anos pelo presidente do país vizinho, Luiz Alberto Lacalle Pou. 

Em um clima diferente do que marcou sua passagem pela Argentina, nos últimos três dias, Lula será recebido pelo líder da direita tradicional do Uruguai, com a missão de convencê-lo a desistir das negociações bilaterais.

Na prática, se confirmado, os produtos chineses poderiam entrar no país pagando taxas de importação menores do que as praticadas dentro do bloco econômico. O que poderia prejudicar seu funcionamento. Para o governo brasileiro, o acordo entre Uruguai e China representa a “destruição” do Mercosul. 

Posição do Uruguai

Lacalle Pou vem afirmando, no entanto, que não pretende recuar das negociações com a China. Em entrevista nesta terça (24), ao final de sua participação na 7ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Buenos Aires, o presidente declarou que a “decisão uruguaia é avançar em um Tratado de Livre Comércio”. O uruguaio admitiu, porém, que se Mercosul tiver uma proposta que supere os benefícios do acordo bilateral, poderá analisar. 

“Se for com o Mercosul é melhor. Todo mundo sabe da força que Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina podem ter juntos. E se não for assim, o que fizemos até o momento é avançar em um estudo de factibilidade com a China que teve resultados positivos e estamos para começar a negociar bilateralmente com a China”, declarou Lacalle Pou. Depois da colocação do presidente uruguaio, o ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor especial do presidente Lula, Celso Amorim, ponderou que é preciso respeitar as demandas do país e encontrar formas de atender interesses, mas sem prejudicar o Mercosul. 

“Nossa posição é que prezamos muito a relação com o Uruguai. É um exemplo de civilidade em várias questões, mas achamos que o Mercosul deve ser preservado”, observou Amorim a jornalistas em Buenos Aires. “Eles podem ter questões a colocar, de que não tiram os benefícios que poderiam ter. Vamos ter uma primeira conversa”, acrescentou. 

Contrapartidas

De acordo com informações da BBC News Brasil, o presidente Lula durante a visita oficial deve oferecer contrapartidas ao governo uruguaio para dissuadi-lo de aderir ao acordo com os chineses. O pacote, até agora, tem como principais itens a retomada de obras de infraestrutura que interligam ou beneficiam os dois países, como pontes, ferrovias e hidrovias; retorno das contribuições do Brasil para um fundo de fomento e projetos dentro do bloco e a promessa de que o Brasil não deverá mais fazer reduções unilaterais de tarifas de importação de produtos de fora do bloco. 

O Mercosul tem como uma de suas principais regras a adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC), que seria uma espécie de imposto único a ser cobrado nos países do grupo, ainda que haja normas prevendo exceções. Mas outra regra basilar impede que os países-membros firmem acordos comerciais e alfandegários de forma isolada. A avaliação é que a unidade do Mercosul não poderia ser mantida se um dos seus membros desse condições comerciais mais vantajosas para um país de fora do grupo. 

Apesar da controvérsia, o presidente do Uruguai decidiu, ainda em 2021, seguir sozinho com as tratativas com a China. Segundo reportagem da agência Reuters, Lacalle Pou teria se incomodado com a falta de vontade de outros países do bloco em avançar em acordos comerciais, especialmente com os chineses, que teriam capacidade de inundar a região com seus produtos. A posição do Uruguai, porém, desagradou todos os demais países. 

Expectativas brasileiras

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Brasil evitou criticar publicamente a postura do país. Mas, em novembro do ano passado, em nota conjunta com Paraguai e Argentina, acabou contestando o Uruguai, ao anunciar que tomaria as medidas jurídicas cabíveis caso o acordo avançasse. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, neste mês, o atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, também advertiu que o acordo poderia “destruir” o Mercosul. 

Com a visita de Lula, a expectativa do governo brasileiro, agora, é que o acordo entre China e Uruguai não seja concretizado. Entre outros fatores, conforme aponta reportagem da BBC News Brasil, isso poderia não acontecer para evitar um desgaste do país com os maiores parceiros comerciais da China na região, o Brasil e a Argentina. Dados do Banco Mundial mostram que o fluxo comercial, de importações e exportações entre Brasil e China em 2020 – último ano disponível na base da instituição – foi de US$ 103,7 bilhões. Enquanto isso, o fluxo entre China e Uruguai foi de apenas US$ 2,7 bilhões.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que acompanha Lula na viagem, evitou, contudo, fazer um ataque frontal à postura uruguaia. Haddad disse aguardar a reunião nesta quarta com Lacalle Pou para entender a proposta e se manifestar.  “Não tenho conhecimento dos termos em que está sendo negociado o acordo da China com o Uruguai. Mas esse tipo de coisa não é nova. (Esta) é uma visita para fortalecer o Mercosul. Eu acredito que a América do Sul, o destino dela de sucesso, passa pelo bloco econômico. Quanto a isso, eu não tenho nenhuma dúvida”, comentou o ministro.

Agenda de Lula no Uruguai

A reunião privada entre os presidentes do Brasil e Uruguai está prevista para às 12h, na Residência Presidencial de Suárez e Reyes. O encontro deve ser seguido por uma declaração à imprensa prevista para às 12h40. Lula também participa de almoço com o Lacalle Pou, às 13h. 

A agenda de compromissos do brasileiro segue durante à tarde, quando ele participa, às 15h, de cerimônia de outorga da distinção “Compromisso Ambiental” que será concedida pela Prefeitura de Montevidéu. Na sequência, às 16h30, Lula encerra sua agenda de compromissos internacionais ao se encontrar com o ex-presidente do Uruguai José Mujica, e com a ex-vice-presidente do país, Lucía Topolasnky. Às 18h30, o presidente brasileiro regressa a Brasília, onde deve chegar por volta das 21h30. 

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