Jogo sujo

Ameaça, coação, compra de votos e até de abstenção. Até onde vai a bandidagem eleitoral

“Só tem jeito da gente virar essa política: É todos os empresários se unirem pra comprar o voto.” Denúncias dão conta de epidemia do uso da compra de votos como “arma” eleitoral

Montagem RBA com Reprodução Redes Sociais
Montagem RBA com Reprodução Redes Sociais
Ao centro, empresário do ramo de cerâmica foi multado em R$ 150 mil por coagir empregados e oferecer dinheiro para votarem em Bolsonaro

São Paulo – “Éverton, só tem jeito da gente virar essa política: É todos os empresários de unirem pra comprar o voto do PT. Como é que comprar o voto do PT? A gente sabe que o cara vota no PT, recolhe o título, recolhe os documentos todo (com foto), passou a eleição, ele vai lá, pega o dinheiro e pega o título”, diz um morador de Luiz Eduardo Magalhães, oeste da Bahia. O áudio foi denunciado em redes sociais, entre elas do Míndia Ninja, que reuniu uma série de denúncias semelhantes de compra de votos (confira ao final deste texto).

No estado da Bahia, por exemplo, Lula (PT) venceu com 67% dos votos válidos, contra 33% de Bolsonaro. Além disso, ajudou a levar o candidato governador Jerônimo Rodrigues (PT), com 49,45%, para o segundo turno e a eleger com folga o o senador Otto Alencar, com 58%. Ou seja, há muitos votos que ainda podem migrar para Lula no segundo turno e ampliar sua diferença para Bolsonaro no estado. Na Bahia, Lula só não venceu em dois dos 417 municípios: um deles, justamente Luiz Eduardo Magalhães (onde Bolsonaro teve 54%). Mas em dezenas de cidades, o PT teve mais de 80% dos votos válidos.

Isso explica a tática do “desespero” do sujeito do áudio, embora não explique o “porquê” do desespero, já que as gestões do PT no Brasil e no Estado contam com amplas taxas de aprovação. “Pra ter uma abstinência de voto no PT no segundo turno. É o único jeito que eu tô vendo de conseguir eleger o Bolsonaro”, diz o criminoso – sim, porque a compra de votos é crime, pode dar multa e cadeia (e vender também).

Compra de votos como “estratégia”

Durante a última semana, veio à tona uma série de ações de compra de votos por parte de bolsonaristas. Em uma delas, um empresário do ramo de cerâmica no Pará aliciou empregados (formais ou bicos) com R$ 200 por voto em Bolsonaro, e ainda os coagiu com terrorismo, afirmando mentirosamente que empresas fechariam na região.

Ele acabou identificado e punido com multa de R$ 150 mil. Mas quantos casos mais ocorreram já no primeiro turno e quantos ainda virão? Existem alguns canais de denúncia (quadro a seguir).

Como denunciar


O método ganha força na disputa pelo segundo turno. Bilionários já impulsionaram sua eleição em 2018 com disparos em massa de fake news e nada aconteceu, nem com eles, nem como candidato.

Máquina pública

Além disso, o presidente da República tem a máquina pública. Antecipação de dinheiro de benefícios sociais para o período eleitoral e o anúncio de medidas para testar seus impactos eleitorais, como corte de verbas da educação e da saúde para o orçamento secreto, estão entre as táticas.

Um dia após o primeiro turno, Bolsonaro anunciou o adiantamento do 13º do Auxílio Brasil para mulheres (eleitorado que mais rejeita o presidente). Ele estava programado para a segunda-feira seguinte ao segundo turno, mas o governo adiantou para a partir da próxima terça (11), 20 dias antes da nova eleição.

Trata-se de custo extra de R$ 10 bilhões, que se somam aos R$ 52,5 bilhões de dinheiro público já dispensados. Contudo, a manutenção do programa para o ano seguinte é incerta. Apesar de Bolsonaro dizer que vai manter os R$ 600 reais do programa, o orçamento de 2023 não prevê recursos para isso.

Bolsonaro sempre criticou o Bolsa Família, chamando o programa de “moeda de troca”, “compra de votos” e “voto de cabresto”. Agora, ele libera recursos sem qualquer contrapartida e sem previsão de continuidade para o período seguinte, às vésperas das eleições. Trata-se, inclusive, do maior argumento do presidente durante sua campanha para tentar convencer o eleitorado com as benesses.

Orçamento secreto

Já o orçamento secreto destina R$ 65 bilhões em recursos públicos para parlamentares da base de apoio do presidente. A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, denuncia o caso como “maior escândalo de corrupção da história mundial“. Trata-se de um valor 10 vezes superior ao que a Operação Lava Jato diz ter recuperado para os cofres públicos. Lula, por sua vez, também vem denunciando o abuso da máquina em benefício da reeleição de Bolsonaro. “Ele está tentando comprar votos com a quantidade de dinheiro que está liberando. É tudo medo do Lula”, disse, ainda em 20 de agosto.

Compra de votos como método

Bolsonaristas apostam na compra de votos por todo o país. Os casos relatados são frequentes. Entre os métodos, estão empresários que prometem dinheiro a funcionários que votarem em Bolsonaro a até possíveis casos de extorsão, onde os apoiadores do presidente ameaçam trabalhadores de que, se não votarem no político, perderão emprego.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) denunciou, nesta semana, junto ao Ministério Público Eleitoral, o empresário Gilson Trennepohl, vice-prefeito de Não-Me-Toque (RS). Isso porque o dono de uma empresa de máquinas agrícolas. O bolsonarista enviou um comunicado aos trabalhadores os ameaçando de demissão em massa caso Lula seja eleito.

Em Tijucas do Sul (PR), o empresário Leonides Bogo Júnior, prefeito de 2005 a 2008, publicou um vídeo ameaçando funcionários da sua empresa, uma rede de postos de gasolina, de que irá demitir mais de 50 colaboradores caso Bolsonaro não ganhe.

Na cidade de Teófilo Otoni, norte de Minas, o médico Petrucio Abrantes prometeu, em vídeo, “boi e dinheiro” para quem votasse em Bolsonaro. Em São Miguel do Guamá (PA), o empresário Maurício Lopes Fernandes Júnior foi flagrado oferecendo R$ 200 para seus funcionários caso Bolsonaro seja eleito. “Se Lula ganhar, vocês podem ter certeza que mais da metade das cerâmicas de São Miguel vai fechar. Eu sou um que se ele ganhar, eu vou fechar as três cerâmicas que eu tenho”, afirma em vídeo.

Ainda antes do primeiro turno, em 29 de setembro, o empresário garimpeiro bolsonarista Rodrigo Martins de Mello foi preso por compra de votos em Boa Vista. Ele foi encontrado com mais de R$ 6 mil em dinheiro vivo e uma lista de nomes e valores pagos. Foi solto após pagamento de fiança no valor de R$ 26,2 mil.