Emprego arriscado

Governo acumula afastamentos de quem investigava pessoas próximas ao presidente

Desde 2019, autoridades foram afastadas ou dispensadas durante andamento de investigações

Vinícius Mendonça/Ibama
Vinícius Mendonça/Ibama
Operação Akuanduba, da PF, tinha como um dos alvos o ex-ministro Ricardo Salles

São Paulo – Investigar parentes do presidente da República ou pessoas próximas tornou-se, aparentemente, um risco à manutenção de empregos e cargos. Nos dois últimos anos, pessoas que se dedicaram à tarefa foram afastadas, em geral sem explicação. A vítima mais recente foi a delegada Silvia Amélia Fonseca de Oliveira, diretora de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional no Ministério da Justiça e Segurança Pública. O ato de exoneração (Portaria 1.277) foi publicado na edição de ontem (10) do Diário Oficial da União, assinado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.

Esse setor do Ministério da Justiça é responsável, entre outras atribuições, pela extradição de brasileiros. Por isso, é lá que tramita o processo de extradição de blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que se encontra nos Estados Unidos. A determinação foi feita pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a pedido da Polícia Federal.

“Ajustes naturais”

A saída da delegada faz parte de “ajustes naturais” na nova equipe da Secretaria Nacional de Justiça, diz nota do ministério. A SNJ, por sinal, é comandada desde agosto por Vicente Santini, de confiança dos Bolsonaro. Em janeiro do ano passado, ele perdeu o cargo de secretário-adjunto da Casa Civil por usar um voo da FAB em viagem à Índia. Mas depois foi nomeado como assessor do Ministério do Meio Ambiente. Desde fevereiro último, era secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República. Agora, coordena ações de combate à corrupção.

A Polícia Federal não escapou. Em junho, o delegado da PF Franco Perazzoni foi dispensado da função de chefe da Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros (DRCOR) no Distrito Federal. A Portaria 15.875, publicada no DOU no dia 21 daquele mês, é assinada pelo diretor de Gestão de Pessoal substituto da PF, Rafael Pinto Marques de Souza.

A favor de madeireiros

Perazzoni liderava a Operação Akuanduba, deflagrada em maio para apurar crimes da administração pública praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro. Um dos alvos da investigação era o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que teria atuado a favor de madeireiros em exportações ilegais. O inquérito foi transferido para o Pará. Salles caiu em junho.

O delegado foi substituído, no DRCOR, por Gustavo de Souza Buquer dos Santos. Em 2006, Buquer protagonizou um incidente ao embarcar armado em voo da TAM do Rio para Maceió. Foi abordado por agentes em Cofins (Belo Horizonte), onde houve disparo acidental que atingiu um policial.

Alvo da CPI

Mais recentemente, em outubro, o superintendente da PF no Distrito Federal, Hugo de Barros Correia, foi dispensado, conforme a Portaria 1.211, do dia 8, assinada pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça, Márcio Nunes de Oliveira. A Superintendência do DF comanda apurações como o inquérito sobre fake news e atos antidemocrático, além de denúncia envolvendo Jair Renan, o filho 04, sobre supostos desvios de recursos no Ministério da Saúde. Em setembro, integrantes da CPI da Covid no Senado manifestaram intenção de denunciar Jair Renan por uma postagem em rede social, em que ele aparecia com uma arma e a frase “Alô, CPI”.

Em agosto de 2019, o presidente da República anunciou troca da Superintendência da PF no Rio, então comandada por Ricardo Saadi e onde se apurava, por exemplo, ações envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado estadual e atual senador Flávio Bolsonaro (Patriota), o filho 01.

“Falta de interlocução”

O caso provocou atritos com o ministro da Justiça na época, Sergio Moro, que se queixou de interferência. A crise aumentou no ano passado, com a exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Em seguida, Moro pediu demissão. Na semana passada, o presidente declarou à PF que não interferiu na instituição e que trocou o diretor por “falta de interlocução”. Também em 2020, o ministro Moraes, do STF, barrou a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo dos Bolsonaro, para a PF.

Flávio chegou a ser denunciado pelo Ministério Público. Nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu anular provas obtidas contra ele, alegando que o caso sobre as chamadas “rachadinhas” não podia estar na primeira instância, por se tratar de foro privilegiado.


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