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Bolsonaro levou dois meses para responder à Pfizer, mas garantiu cloroquina em 15 minutos

Documentos da CPI da Covid expõem maior agilidade do governo em comprar o medicamento sem eficácia comprovada do que as vacinas. Senadores também têm informações de que a Saúde soube da demanda por respiradores no Amazonas um mês antes do colapso

Marcos Santos/Ag. Pará
Marcos Santos/Ag. Pará
Diplomacia brasileira trocava e-mails inclusive aos fins de semana e à noite. Enquanto 81 correspondências da Pfizer eram ignoradas. Instituto Butantan também levou dois meses para receber resposta sobre a oferta de Coronavac

São Paulo – Uma série de 54 e-mails, obtidos pela CPI da Covid no Senado, constata que o governo Bolsonaro foi mais ágil em garantir a hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19, do que na compra de vacinas contra a doença do novo coronavírus. Entre março e junho de 2020, quando já havia informações científicas internacionais para não indicar a cloroquina, a diplomacia brasileira atuava fortemente para liberar cargas de matéria-prima da droga para empresas fabricantes no país. 

As mensagens eram trocadas pelo governo com a chancelaria indiana e representantes de farmacêuticas. Alguns e-mails foram respondidos pelo Brasil em até 15 minutos, inclusive à noite e aos fins de semana – já fora do expediente. Eles eram assinadoss pelo ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil na Índia, Elias Antônio de Luna e Almeida Santos, segundo na hierarquia do posto diplomático. As mensagens reiteravam que o governo “estava acompanhando esta questão com muita atenção”. A diplomacia pedia ainda “a maior urgência possível”. 

Em e-mail enviado no dia 30 de maio, por exemplo, um sábado, Santos chega a cobrar dos funcionários indianos a mesma dependência de trabalho aos fins de semana. “Desculpe por escrever em um sábado. Com relação às mensagens anteriores, seria possível que essa autorização fosse emitida ainda hoje?”, sugeriu.

Mais de dois meses para as vacinas

A agilidade do Executivo, no entanto, contrasta com a postura que teve para a aquisição de vacinas contra a covid. O caso mais emblemático é o da Pfizer. A farmacêutica teve 90%, do total de 81 correspondências, ignoradas pelo governo entre 17 de março e 23 de abril deste ano. O levantamento foi divulgado pelo vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O líder da oposição aponta ainda três e-mails enviados no dia 31 de julho ao Ministério da Saúde, intitulados “Pedido de Audiência Urgente”, sem retorno. Em depoimento à comissão, o ex-presidente da Pfizer no Brasil Carlos Murillo disse ainda que o governo federal levou mais de dois meses para responder à primeira oferta de vacina. 

Enviada no dia 26 de agosto, a mensagem da empresa só obteve retorno em 9 de novembro. Em paralelo, o diretor do Instituto Butantan, responsável pela vacina Coronavac, também afirma que as propostas de compra do imunizante foram ignoradas por dois meses pelo Executivo. Os documentos em poder da comissão foram obtidos pela agência de dados independente Fiquem Sabendo e analisados pelo jornal O Estado de S. Paulo. As informações, colocadas em sigilo, integram um conjunto de 953 documentos analisados pela CPI no Senado, que atua na investigação de possíveis falhas e omissões da União no enfrentamento da pandemia. 

Governo sabia da crise no Amazonas

Nesta terça-feira (15), o portal UOL divulgou documento da comissão, indicando que o governo soube da escassez de respiradores no Amazonas quase um mês antes do colapso da rede hospital do estado, em janeiro. A demora teve resultado trágico, a falta de oxigênio hospitalar causou a mortes de pacientes por asfixia, houve colapso no sistema de saúde e funerário. Até maio, a mortalidade no Amazonas era a maior do Brasil. Mais de 315 vítimas por 100 mil habitantes, ante 118 para 100 mil em todo o restante do país. 


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