Balanço

Boicote a vacinas, fuga de Pazuello e cloroquina marcam primeira semana da CPI da Covid

Ex-ministro Mandetta denunciou lobby por cloroquina, Queiroga hesitou entre agradar o chefe e a ciência e Bolsonaro voltou a atacar a China

Jefferson Rudy/Agência Senado
Jefferson Rudy/Agência Senado
Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros conduzem comissão que apura omissões na pandemia

São Paulo – A primeira semana da CPI da Covid no Senado foi marcada pelo depoimento de dois ex-ministros da Saúde de Jair Bolsonaro – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – e também do atual, Marcelo Queiroga. Além deles, estava prevista a presença do antecessor, Eduardo Pazuello, o mais longevo chefe na pasta. Mas o general alegou que teve contato com contaminados pela covid-19 e não compareceu à CPI. Ele comandou o ministério por pouco mais de dez meses. Quando assumiu interinamente, em 15 de maio de 2020, no lugar de Teich, o país registrava cerca de 15 mil mortes na pandemia e pouco mais de 230 mil casos. Em 24 de março deste ano, Queiroga falou pela primeira vez, finalmente oficializado no cargo após nove dias da demissão de Pazuello. Na ocasião, o total de infectados era de 12,2 milhões, o número de mortos tinha sido multiplicado por 20 e ultrapassava 300 mil.

Por isso, Pazuello era o mais aguardado na CPI. A alegação de que teve contato com infectados foi colocada em dúvida após informação, de O Estado de S. Paulo, de que ele recebeu a visita do ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) no Hotel de Trânsito de Oficiais, onde estaria em “quarentena”. Durante a tarde de quinta (6), circulou outra informação, a de que o general estaria cogitando um habeas corpus na Justiça para cancelar sua presença na comissão. O senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI, sugeriu que o ex-ministro da Saúde poderia ser conduzido coercitivamente para depor.

O presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), pôs panos quentes na ideia, que poderia iniciar um confronto contraproducente com os bolsonaristas, o Palácio do Planalto e até mesmo com os militares. “Ninguém pode proibir alguém de visitar alguém mesmo que esteja com covid. Se o ministro Pazuello estiver com covid, espero que Onyx não se contamine”, disse. A saída diplomática de Aziz levou em consideração que, embora adiado, o depoimento de Pazuello foi remarcado para o dia 19, quarta-feira da outra semana.

Queiroga, o atual ministro, respondeu desconhecer quase tudo o que o antecedeu no ministério, hesitou em responder assertivamente se apoia ou não a cloroquina, mas, pressionado, teve que admitir como essenciais o uso de máscaras e a vacinação em massa como única forma de conter a pandemia.

Mandetta: cloroquina e governo paralelo

Além de Pazuello, o depoimento de Mandetta era muito aguardado, e ele acabou satisfazendo as expectativas da oposição e do relator, Renan Calheiros (MDB-AL). O ex-ministro sugeriu haver um “aconselhamento paralelo” no governo. Em uma reunião ministerial, disse, “o filho do presidente, que é vereador no Rio de Janeiro (em referência a Carlos Bolsonaro, do Republicanos), estava sentado, tomando notas”. 

Mandetta também afirmou que os “adversários” do Ministério da Saúde no enfrentamento à pandemia eram o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e os filhos de Bolsonaro. Acrescentou ter visto “um papel não timbrado, de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus”. Por sua vez, Teich confirmou que se demitiu por pressão de Bolsonaro pela cloroquina.

A cloroquina foi um dos principais pontos de questionamentos dos senadores de oposição aos ex-ministros e ao atual titular da pasta da Saúde. A droga foi também objeto de defesa dos bolsonaristas, às vezes de forma fanática, como no caso do senador ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS).

A “capitã cloroquina” na CPI da Covid

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou na quinta-feira (6) requerimento para convocar a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro. Ela é conhecida como “Capitã Cloroquina” e teria sido responsável por organizar uma viagem de médicos voluntários para o Amazonas.

Reportagem da Folha de S. Paulo relata o dramático caso conduzido pela médica paulistana Michelle Chechter, que trabalhou em Manaus com o marido, o também médico Gustavo Maximiliano Dutra. Em vídeo “aparentemente gravado em 9 de fevereiro”, segundo o jornal, a médica, responsável pela nebulização da hidroxicloroquina e pela viralização do vídeo, induz uma paciente a afirmar que a nebulização está funcionando. “Depois da nebulização, a saúde de Jucicleia (a paciente) não parou de piorar. Até que, em 2 março, a técnica em radiologia morreu, 27 dias após o nascimento do filho único”, diz a reportagem da Folha.

Anvisa e vacinas

As vacinas também foram tema central na CPI, e a temperatura deve aumentar na semana que vem, quando serão ouvidos o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, e a presidenta da Pfizer no Brasil, Marta Díez. A agência reguladora brasileira está no centro da polêmica sobre imunizantes, o que se acentuou após negar a importação da vacina Sputnik V pelo Brasil e ser acusada pelos desenvolvedores russos de mentir e espalhar informações falsas.

O depoimento da executiva da Pfizer pode elucidar quais os motivos pelos quais o governo recusou 70 milhões de doses da vacina da farmacêutica norte-americana em agosto do ano  passado, o que seria hoje fundamental ao país. Senadores de oposição acusam Bolsonaro de boicotar as vacinas deliberadamente. O presidente atacou sistematicamente a CoronaVac durante a pandemia. A estratégia do governo envolveria, de um lado, induzir a população a se contaminar para adquirir a chamada imunidade de rebanho, e, de outro, incentivar o uso da cloroquina, medicamento não apenas ineficaz contra a covid-19 mas comprovadamente nocivo, podendo levar à morte.

Depois de todos os problemas que causou às vacinas durante a pandemia, Bolsonaro continuou sua política de boicote explícito aos imunizantes, principalmente à CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa SinoVac. Na quarta-feira (5), ele chocou os meios diplomáticos ao insinuar que a China seria responsável por uma “guerra química” por meio do Sars-Cov-2. “Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês”, disse o chefe do governo brasileiro, sem citar o país, principal exportador do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), insumo essencial à produção de vacinas contra a Covid.

“Doença mental”

A fala despropositada provocou intervenção do presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em mensagem enviada ao embaixador da China no Brasil na sexta-feira (7), Yang Wanming, ele destacou a “importância do relacionamento relevante e construtivo” com a China. Em nome do Senado, Pacheco acrescentou que, “no momento em que o Brasil tem sido afetado de forma contundente (pela) proliferação de variantes do vírus, torna-se necessário, mais do que nunca, o aprimoramento da parceria de grande qualidade que tem caracterizado nossas relações bilaterais”.

Já o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Frente Parlamentar Brasil-China e membro destacado do Centrão, assinou uma nota em nome da entidade e a publicou no Twitter, no mesmo dia em que Bolsonaro voltou a atacar a China. “A meu ver, não se trata de uma pessoa irresponsável, desequilibrada e sem noção de mundo. Na verdade, pode tratar-se de uma grave doença mental que faz o nosso presidente confundir realidade com ficção”, escreveu. “Penso que estamos diante de um caso em que recomenda-se a interdição civil para tratamento médico. O Brasil agradecerá”, concluiu Pinato.

A CPI da Covid mudou mais uma vez a agenda de depoimentos da próxima semana. Confira:

Terça-feira (11) – Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa.
Quarta-feira (12) – Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo federal.
Quinta-feira (13) – Marta Díez, presidente da Pfizer no Brasil, e Carlos Murillo, presidente regional da farmacêutica para a América Latina.