Criminoso?

MPF recorre de sentença ‘infeliz’ que responsabilizou vítima por combater a ditadura

Para ex-metalúrgicos, decisão tem argumentos que são inconcebíveis ao Estado de direito

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Trabalhadores chegaram a ser presos na própria fábrica e levados ao Dops, no prédio onde hoje fica o Memorial da Resistência, em São Paulo

São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão que negou indenização à família de uma vítima da ditadura afirmando que ela “sabia dos riscos” de se opor ao regime. Para o procurador regional da República Marlon Alberto Wechert, “o acórdão incorreu em infeliz consideração” ao qualificar a vítima, o metalúrgico Antonio Torini, como um criminoso. A decisão contestada é do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3).

Filiado ao PCB e funcionário da Volkswagen, Torini foi preso em agosto de 1972. Segundo relatou, permaneceu detido durante 49 dias no Dops de São Paulo, sendo continuamente torturado. Depois de libertado, foi demitido pela empresa e sofreu condenação pela Justiça Militar. Assim, foi preso e nunca mais conseguiu emprego, até morrer, em 1998.

Regime de exceção

No ano passado, a 3ª Vara Federal de Santo André, no ABC paulista, condenou a União a pagar R$ 150 mil a Livonete, viúva do metalúrgico, por danos morais. Mas o TRF-3 considerou que o militante é que desrespeitou a lei, ainda que o país vivesse sob um regime de exceção, ao se colocar “contra a ordem vigente”. E reformou a sentença de primeira instância.

No recurso, a Procuradoria sustenta que o tribunal “convalidou atos de repressão política praticados contra Torini sob o manto de ordenamento jurídico ditatorial”. Argumenta ainda que o metalúrgico nem pode ser criminalizado por defender a luta armada. Ele era militante de um partido contrário à prática. Por isso, pede a nulidade do acórdão do TRF-3. Afirma também que a turma do tribunal usou argumentos não debatidos no processo.

“Que não vire moda”

A Associação Heinrich Plagge (que reúne ex-funcionários da Volks) e a Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC (AMA-A ABC) divulgaram nota manifestando preocupação com a sentença do tribunal. Para as entidades, a “justa decisão da 3ª Vara “foi reformada pelo TRF-3 com argumentos que consideramos inconcebíveis ao Estado Democrático de Direito”.

“Que não vire moda a defesa da ordem jurídica ditatorial em plena vigência da Constituição Cidadã de 1988, que resgatou um regime minimamente democrático de direitos, com respeito às garantias fundamentais do povo brasileiro, especialmente neste momento de tragédia política que vive o Brasil”, afirmam ainda. Recentemente, a Volks reconheceu responsabilidades por ter apoiado ações da ditadura contra trabalhadores.


Leia também


Últimas notícias