Com o Centrão, com tudo

Para analista, Bolsonaro agora ‘joga o jogo’ com Congresso e STF para sustentar o governo

Professor da Unicamp aponta claros sinais da “normalização” de Bolsonaro com os antigos desafetos. Ele também não acredita que o STF declare a suspeição de Sergio Moro. “Isso tornaria Lula um ator muito poderoso”

Antonio Cruz/Agência Brasil
Antonio Cruz/Agência Brasil
Bolsonaro e Toffoli se cumprimentam na despedida do ministro do STF da presidência da Corte, no mês passado. Antigos desafetos, STF e Congresso selam "a paz" com Bolsonaro

São Paulo – A equação política envolvendo os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no segundo semestre de 2020 passa pela perda de força da operação Lava Jato e do próprio ex-juiz Sergio Moro, pela indicação de Kassio Marques à vaga de Celso de Mello ao Supremo Tribunal Federal (STF) e pela “normalização” do governo do presidente Jair Bolsonaro e suas relações com as instituições políticas.

Na opinião do cientista político Frederico de Almeida, da Universidade Estadual de Campinas, ao indicar Kassio Marques ao STF, Bolsonaro “está sinalizando às instituições que está disposto a jogar o jogo da velha política”. Os sinais não se resumem ao provável futuro ministro da Corte, mas já se iniciaram com o acordo do chefe do Executivo com o Centrão, que sustentaria o nome.

Marques no STF faria parte de uma costura com o Centrão, mas também recebe a bênção do ministro Gilmar Mendes, que foi o anfitrião de uma reunião, na semana passada, de Bolsonaro e Kassio Marques. Segundo O Estado de S. Paulo, foi neste encontro que foi fechada a indicação do desembargador do TRF-1 para substituir o decano no Supremo. A reunião foi intermediada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Os sinais claros da “paz” do governo Bolsonaro com os antigos desafetos STF e Congresso, de um grande acordo “por cima” e de seu fortalecimento político, passam igualmente pelo pedido de desculpas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta segunda-feira (5). Ambos participaram de um jantar na casa do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), organizado para esse acordo de paz. Maia admitiu ter sido “grosseiro” com Guedes. Alcolumbre foi um dos comensais do encontro.

Bolsonaro e as regras do jogo

Na avaliação de Almeida, “Bolsonaro estaria cedendo às regras do jogo, o que é ‘bom’ entre aspas, porque tende a moderá-lo, mas é ruim porque o traz para dentro do jogo”. Nesse sentido, situações e atores de peso, que até o primeiro semestre eram pedras no sapato do presidente, tendem a se amenizar. Inquéritos do STF potencialmente danosos, como o das fake news, as críticas de Gilmar Mendes e Celso de Mello ao presidente tendem a perder temperatura, segundo a avaliação do analista.

Feitas as contas, Bolsonaro já percebeu que tem muito a ganhar ao ceder às regras do jogo da velha política, que antes dizia combater. “A maior perda dele é a base mais ideológica. Mas essa base não o sustenta, e sim o Centrão. Na hora em que tenha uma política social que lhe dê mais sustentação, em momento de crise econômica, ele dispensa uma base ideológica”, avalia o professor da Unicamp.

Mas Bolsonaro sabe que, mais à frente, os grupos bolsonaristas ideológicos “de raiz” não vão abandoná-lo aos “comunistas”. Para Almeida, a única ameaça a Bolsonaro até 2022 é uma piora muito grave da economia, o que é possível. “Mas politica e institucionalmente, ele está construindo condições de se manter.”

Na opinião do analista, o risco de uma ruptura e de um confronto, esboçados no primeiro semestre, entre o STF e Bolsonaro, “no final serviu para enquadrar o presidente, em vez de o derrotar, e a partir do momento em que ele se enquadra e aceita, todo mundo cede”.

Lava Jato e Sergio Moro

Para Frederico de Almeida, se parece claro que a Lava Jato e Moro estão perdendo força, esse esvaziamento da operação iniciada em março de 2014 também pode ser calculada. É esperado para os próximos meses o julgamento, pela Segunda Turma do STF, da suspeição de Sergio Moro, que, se for declarada, pode anular a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Mas não acho que vai acontecer algo na situação jurídica do Lula que vá reverter o principal trunfo da Lava Jato, que foi derrotar o PT e o próprio Lula. Tenho muita dúvida de que saia do Supremo um julgamento declarando Moro suspeito e anulando tudo o que ele fez”, diz o analista. “Isso tornaria Lula um ator muito poderoso e confirmaria a narrativa da perseguição politica contra ele”, completa.

A Lava Jato vem sofrendo uma série de derrotas em julgamentos no Supremo, entre os quais a retirada da delação de Antônio Palocci em processos contra o ex-presidente. Na mais recente destas derrotas, a Subprocuradora-Geral da República Lindôra Maria Araújo pediu ao STF a rejeição de denúncia contra o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), acusado de corrupção pela Lava Jato.

“Essas derrotas da Lava Jato acontecem, mesmo em tribunais superiores, mas são derrotas laterais ou secundárias. A Lava Jato está sendo ‘domesticada’. Moro saiu atirando do governo para ser ministro do STF, achando que ia ganhar do Bolsonaro, e não ganhou. Perdeu espaço completamente. É uma derrota da Lava Jato, mas essa derrota não pode significar uma vitória para Lula e PT. Acho que é essa equação que está sendo pensada, inclusive dentro do Supremo.”

Com a ida de Luiz Fux à presidência do tribunal, Dias Toffoli ocupou seu lugar na Primeira Turma.  Mas, com a saída de Celso de Mello da Segunda Turma (ele se aposenta na semana que vem), especula-se que Toffoli assuma seu lugar. Assim, o colegiado que irá julgar a suspeição de Moro seria composto por Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Gilmar Mendes e Toffoli, cuja presença foi destaque na reunião na casa de Gilmar com Bolsonaro, para tratar da indicação de Kassio Marques ao STF. E que selou “a paz”.

Edição: Fábio M. Michel