Ampla defesa?

Após um ano e meio, STF pode reverter decisão que permitiu prisão de Lula

Desde 2018, decisão sobre prisão após segunda instância, que poderia ter impedido o encarceramento do ex-presidente, é protelada pelo Supremo

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
Lula está preso desde abril de 2018 em função de julgamentos do Supremo Tribunal Federal

São Paulo – Depois de intermináveis idas e vindas e incertezas que se estendem há quase dois anos, o presidente do Supremo Tribunal Federal  (STF), ministro Dias Toffoli, finalmente marcou para a próxima quinta-feira (17) o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44, e 54, que discutem a prisão após condenação em segunda instância, a chamada execução antecipada da pena, que possibilitou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela Operação Lava Jato, em abril de 2018.

A prisão se deu em cumprimento ao entendimento do próprio STF, até hoje em vigor, de outubro de 2016, que decidiu, por 6 votos a 5, a favor da prisão antes do trânsito em julgado. Na ocasião, o tribunal confirmou entendimento de fevereiro do mesmo ano, quando a corte, que era contra essa autorização, mudou a jurisprudência por 7 votos a 4.

As ADCs 43 e 44, pautadas por Toffoli para esta quinta, foram liberadas pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator das três ações, para serem pautadas pelo plenário do tribunal em dezembro de 2017. Em 2018, ano de eleições presidenciais, o tema foi cercado de polêmica. A presidenta da Corte era a ministra Cármen Lúcia, que se recusou a marcar o julgamento. O tema chegou a provocar bate-boca entre Marco Aurélio e Cármen. “Em termos de desgaste a estratégia não poderia ser pior”, disse o relator, citando fala anterior da então presidenta da corte, dizendo que colocar as ADCs em pauta seria “apequenar o tribunal”. Ela se referia ao fato de que o STF estaria se submetendo aos interesses de uma pessoa em particular, no caso, Lula.

Mesmo assim, em 4 de abril de 2018, o Supremo julgou habeas corpus preventivo do próprio Lula, em que sua defesa pedia para que ele aguardasse em liberdade a apreciação dos recursos até estes se esgotarem. Também por 6 a 5, o tribunal negou  o HC e confirmou a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

Naquele julgamento de abril, o ministro Gilmar Mendes, que era a favor da prisão antecipada, mudou sua posição. Ele votou pela concessão do HC a Lula. Mas a ministra Rosa Weber, que no julgamento de outubro de 2016 votou contra a prisão, também inverteu o voto, resultando nos mesmos 6 a 5. A decisão do STF, na prática, foi a autorização para Lula ser preso, o que aconteceu três dias depois, em 7 de abril de 2018.

Um ano depois, em abril de 2019, o novo presidente do Supremo, Dias Toffoli, atendendo a um pedido de Ordem dos Advogados do Brasil, novamente adiou a decisão sobre a segunda instância.

Nos bastidores de Brasília, a reversão do entendimento do STF sobre o tema – voltando a vetar a prisão após segunda instância – é considerada muito provável. Porém, mesmo que o tribunal proíba a execução antecipada da pena, o reflexo de tal decisão é incerto no caso de Lula.

Isso porque a corte pode resolver “modular” o entendimento. Por exemplo, estabelecendo um “meio termo”, definindo que só pode haver prisão após julgamento por tribunal superior. Nesse caso, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já condenou Lula no caso do triplex do Guarujá, também é uma corte superior, a liberdade do ex-presidente dependeria de novos recursos e da avaliação da progressão de regime.

Se o plenário decidir explícita e sumariamente que só podem ser presos os réus cujos processos transitaram em julgado, o ex-presidente, condenado pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF4, segunda instância), seria solto, já que seu caso teria ainda a possibilidade de ser julgado no Supremo.

Inúmeros juristas e advogados criminalistas, como Leonardo Yarochewsky e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, e também ministros do STF, consideram que tanto a Constituição Federal, pelo princípio da ampla defesa, entre outros, como o Código de Processo Penal (CPP), são inquestionáveis. “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado”, prevê expressamente o artigo 283 do CPP.

Suspeição

Lula tem ainda pendente no STF julgamento, pela Segunda Turma, de habeas corpus em que a defesa pede a declaração da suspeição do atual ministro da Justiça, Sergio Moro, por sua conduta no processo em que o então juiz condenou Lula no caso do tríplex. A decisão foi adiada pelo tribunal em junho.

Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia já votaram contra a anulação da condenação. No entanto, em posicionamento inédito, Cármen sinalizou que sua posição pode não ser definitiva. Faltam votar os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. A Turma é composta por cinco ministros. Os votos de Mendes e Lewandowski são considerados certos a favor da concessão do HC, enquanto o do decano Mello, que desempataria, ainda é incerto.

Delator e delatado

O Supremo já anulou duas sentenças da Lava Jato em julgamentos emblemáticos. Em agosto, no caso da condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, pela Segunda Turma. No início deste mês, em julgamento de plenário, a do ex-gerente da estatal Marcio de Almeida Ferreira. São duas significativas derrotas da chamada força-tarefa de Curitiba.

No julgamento de Ferreira, o plenário concedeu-lhe HC, e determinou o retorno dos autos à fase de alegações finais. Pela decisão, nessa fase, devem falar sucessivamente, primeiro, a acusação, depois o delator e por fim o delatado. O tribunal decidiu também que deve ser elaborada uma tese para definir o alcance da decisão. O julgamento está suspenso.

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