Avanço

Com número recorde de pré-candidaturas, movimento LGBTI+ quer ampliar atuação política

Levantamento aponta quase 500 nomes, a maioria com perfil progressista. Para ativista, número recorde mostra vigor da comunidade

Reprodução/Arte RBA
Reprodução/Arte RBA
Muito além da Parada: nomes como o de William de Lucca (destaque) apresentam candidaturas e buscam mudar perfil do parlamento

São Paulo – O momento político não intimidou o movimento LGBTI+, que nas eleições municipais deste ano deverá ter número recorde de candidatos. Com espectro partidário diversificado, mas em boa medida de perfil progressista. Levantamento preliminar da Aliança Nacional LGBTI+ aponta 497 pré-candidaturas, 485 a vereador e 12 para prefeito (confira quadro). Em 2012, por exemplo, esse numero não chegava a 200.

O diretor-presidente da Aliança, o professor Toni Reis, destaca a participação em várias legendas. E observa que aproximadamente 80% desses nomes concentram-se no campo da centro-esquerda. “Isso (número recorde de pré-candidatos) mostra o vigor da comunidade”, avalia. A lista mostra nomes LGBTI+ em 26 dos 33 partidos registrados para as eleições. Cinco deles concentram dois terços dos pré-candidatos deste ano.

Voto com orgulho

Mais do que isso, a presença no processo eleitoral significa afastar-se de certo estigma em relação ao movimento, com associações, por exemplo, a doenças como a aids ou à violência. “É muito importante sair da página da saúde ou policial para a página da política”, diz o professor. Ele lembra que a Aliança, além do levantamento, organiza cursos e está lançando a campanha do “voto com orgulho”.

Neste momento, o esforço é para efetivamente aumentar a representação. “Não basta se candidatar, tem que eleger e colorir as Câmaras de Vereadores em todo o Brasil. Creio que vamos ter também o recorde de candidaturas eleitas.” Outra questão importante, lembra Toni, é evitar a polarização em torno de temas relacionados apenas à comunidade. “Quando se elege, é para defender a população”, afirma.

Parte da nação

Esta é também a visão da jurista Amanda Anderson, que preside o PDT Diversidade e integra a executiva do partido. “Toda vez que nos chamam para alguma coisa, é sobre direitos humanos, direitos LGBT. Mas a gente não pode esquecer que faz parte da nação brasileira”, observa Amanda, que é mulher trans e foi líder estudantil: “A única vice-presidente travesti da história da UNE”. Assim, no parlamento é preciso discutir todo tipo de assunto, especialmente os básicos, como educação, saúde, transporte público, saneamento. “É uma pauta humanitária e de cidadania plena”, afirma.

Manifesto do coletivo ressalta a importância da participação LGBTI+ nas eleições. O documento afirma que “essas centenas de pré-candidaturas mostram que queremos nos tornar protagonistas de nossa história, não mais apenas coadjuvantes em eleições que usam nossa pauta de forma eleitoreira, nos tornando objeto para angariar votos e não nos possibilitando a real oportunidade de alçar às cadeiras nas câmaras legislativas, esquecendo ainda que nossa população, assim como a maioria do povo brasileiro, busca acesso às condições mais básicas de dignidade: saúde, educação, saneamento, moradia e trabalho digno”.

Violência e criminalização

O que não exclui a preocupação com os ataques, que seguem frequentes. Segundo Amanda, assassinatos de travestis e transsexuais cresceram 30% neste ano. Ela lembra do julgamento, no Supremo Tribunal Federal, em 2019, que criminalizou homofobia e transfobia. “A criminalização, na verdade, não serviu muito porque se sentem legitimados para agir contra a população LGBTI porque têm um chefe da nação que o faz.”

Mas a quantidade de candidaturas, mais que resiliência, mostra resistência. “Nós somos resistência desde a época de Tibira”, diz Amanda, em referência ao indígena morto no século 17 e apontado como primeira vítima da homofobia no Brasil.

“Eu boto fé que vai melhorar ainda mais. Isso (candidaturas) só fortalece o nosso movimento. Nós precisamos ter voz, políticas públicas”, diz a assessora parlamentar Kênia Ribeiro. Lésbica, ela irá se candidatar pela quinta vez, a terceira para vereadora, em Belo Horizonte, pelo Psol.

Nascida em Varginha, ela trabalhou durante 33 anos na rua, como camelô. E lembra que a comunidade LGBTI ainda é sub-representada na política. “É importante ter toda a sopa de letrinhas, em todas as esferas.”

Torcedor e ativista

Em São Paulo, o jornalista William De Lucca, gay, vai disputar pela primeira vez, concorrendo a vereador pelo PT. “Temos que disputar esses espaços por dentro”, diz. “Tenho plena consciência de que estamos em um momento de ataques, com nossos direitos em risco. É um período de retrocessos em vários níveis”, afirma William, que coleciona dezenas de ameaças de morte.

Esse processo começou em 2018, depois que ele publicou em rede social críticas ao comportamento de torcedores de seu próprio time, o Palmeiras, que durante uma partida contra o São Paulo entoavam cantos homofóbicos para provocar os rivais tricolores. William ajudou a organizar o coletivo Palmeiras Livre, de torcedores progressistas. E integra o Canarinhos Arco-Íris, formado por torcedores LGBT.

“É importante lembrar que grande parte do problema da violência homofóbica reside na falta de educação. As pessoas recebem uma educação que possibilita achar que homofobia é algo aceitável”, comenta.