Saudade da ditadura

Invocar Lei de Segurança Nacional contra Lula é bravata, diz Greenhalgh

Para o professor de Direito Penal Felipe Freitas, pedidos de prisão preventiva de Lula com base em legislação da ditadura é “diversionismo possível somente em mentes autoritárias”

Irmo Celso
Irmo Celso
Lei de Segurança Nacional está sendo evocada por saudosos da ditadura, que prendeu Lula em 1980 baseado nela. Leia mais ao final do texto

São Paulo – Advogado de Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh afirma ter “zero de preocupação” com os pedidos de prisão preventiva do ex-presidente com base na Lei de Segurança Nacional (LSN). “A alusão de Bolsonaro sobre invocar a LSN contra Lula não passa de mais uma bravata”, afirma. “Nada do que disse Lula depois que saiu em liberdade se enquadra em incitação subversiva. Então, zero de preocupação sobre isso.”

Para ele, o que preocupa nessa ameaça é o inegável saudosismo da ditadura. “O pai tem saudades da LSN. O filho, do AI5. E o general da terra plana fica a conjecturar sobre quais providências seriam necessárias para editá-lo nos tempos presentes”, ironiza. “Isso sim é preocupante: a evidência de que a ditadura não sai da cabeça deles.”

Mal deixou a cadeia onde esteve encerrado por 580 dias, em Curitiba, o ex-presidente Lula viu-se alvo de três pedidos de prisão preventiva. O primeiro foi impetrado pelos deputados Sanderson (PSL-RS) e Carla Zambelli (PSL-SP) na segunda-feira (11). No mesmo dia, um outro foi feito pelo senador Major Olímpio (PSL-SP). Na terça (12), foi a vez do Movimento Brasil Livre (MBL). Todos com base na Lei de Segurança Nacional.

Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Felipe Freitas, também membro do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (GPCRIM-UEFS), explica que alguém só pode ser preso no Brasil sob as formas de prisão provisória estabelecidas após a prisão em flagrante, nos casos de prisão preventiva ou temporária, de acordo com a lei. “São casos muitos específicos”, afirma.

“Fora isso, prisão é só após trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, observa Freitas. “Se o presidente Lula não tem uma condenação transitada em julgado contra si, não cometeu nenhum crime cabível de flagrante e não se enquadra em nenhuma das formas jurídicas no código de processo referentes a prisão preventiva, não é possível prendê-lo. Isso é o que diz a lei e foi reafirmado pelo entendimento do STF.”

Para o professor de Direito Penal, a evocação da LSN não passa de diversionismo possível somente em mentes autoritárias, ansiosas por restabelecer modelos jurídicos autoritários na sociedade brasileira. “Em São Bernardo, no discurso após sua libertação, ao invés de convocar para o ódio, Lula fez uma evocação à disputa política na sociedade, não à confrontação física”, lembra Freitas.

Até o já tradicional “ei, Bolsonaro, vai tomar no …” foi interrompido pelo ex-presidente. “Ele desaconselhou esse tipo de manifestação que não está na sua gramática, no seu léxico político. Também nesse aspecto é importante voltar ao seu discurso e desfazer esse mito de que a liberdade de Lula promove acirramento.”

Lula corre riscos

Felipe Freitas destaca que esse discurso do acirramento, apesar de não ter nenhuma base na realidade, promove riscos à segurança pessoal do ex-presidente. “Nas redes já se identificou uma vaquinha para pagar alguém para eliminar a vida do presidente Lula. E os discursos do presidente Bolsonaro evocam um determinado tipo de ameaça à liberdade de Lula garantida pelo STF. Isso me parece muito perigoso”, avalia.

Para ele, Lula corre riscos. “É muito grave que o presidente da República estimule o ódio contra o ex-presidente Lula. Me preocupo porque acho que são muitas as manifestações no seio do bolsonarismo que mostram estarem dispostos a muita coisa pra dar conta dos seus ideias de hegemonia e autoritarismo.”

E cobra uma posição da comunidade jurídica. “É preciso reconhecer rapidamente a total inadequação desses pedidos que estão sendo apresentados”, destaca. “A LSN é da época da ditadura, reformada na época do governo João Figueiredo. É bastante autoritária e a única interpretação possível pós 1988 é a da preservação da unidade e da integridade nacional”, lembra.

“Ao ser visitado pela deputada federal Carla Zambelli, o procurador-geral da República deveria, de pronto, ter reconhecido a total inépcia do pedido. Ou seja, que não possuía nenhum fundamento jurídico e arquivá-lo. E não tirar uma foto com a deputada, inclusive alterando o sentido de sua atribuição como representante do Ministério Público.”

O professor esclarece que somente alguém que estivesse falando contra a ordem da integridade do país, do pacto federativo, da organização dos princípios da Constituição é que poderia ser enquadrado nessa legislação que passou a ter apenas essa interpretação possível pós-Constituição de 88. “Portanto, é descabida, do ponto de vista jurídico, a ideia de que é possível uma prisão preventiva do presidente Lula com base na Lei de Segurança Nacional. Os casos da LSN não têm qualquer relação com o exercício da atividade da manifestação política.”

Apesar disso, teme que o presidente Lula seja novamente constrangido por alguma interpretação autoritária da lei penal, nesse momento em que o país vive o descumprimento das garantias das liberdades democráticas e de uma profunda fragilidade das instituições responsáveis pela ordem democrática.

“Seria uma interpretação sem qualquer fundamento jurídico, mas assim foi com a prisão por 580 dias. As forças democráticas precisam estar bastante vigilantes, atentas e preocupadas com essa representação que não tem sustentação jurídica, mas está sendo bancada politicamente por um grupo que tem pouco compromisso com a democracia.”

 


Os presos de 1980

Além de Lula, o regime militar levou à prisão com base na Lei de Segurança Nacional em 1980: Djalma de Souza Bom, Devanir Ribeiro, Gilson Menezes, Enílson Simões de Moura (Alemão), José Maria de Almeida, Severino Alves da Silva, Rubens Teodoro de Arruda, Expedito Soares Batista, José Venâncio de Souza e João Batista dos Santos – dirigentes sindicais presos em 19 de abril. Também foram presos naquela data o militante Ricardo Zaratini e os advogados Dalmo Dallari e José Carlos Dias. Osmar Santos de Mendonça (Osmarzinho) e Juraci Batista Magalhães foram presos em 11 de maio.
Fonte: Memorial de Democracia


 

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