Destruição e construção

‘Bolsonaro e Moro conservam obsessão totalitária. Estamos hoje conversando, mas até quando?’

Lideranças de PCdoB, PDT, PSB, Psol e PT se reúnem para discutir enfrentamento à escalada autoritária de Bolsonaro e da extrema-direita

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Rabelo (ao microfone) alertou para a capacidade destrutiva de Bolsonaro, cujo objetivo é a “destruição de tudo o que é público e social”

São Paulo – “Se encaminhar o processo anti-civilizatório e autoritário deste governo quase autocrático, isso vai levar para onde? Para o fechamento. Mas estamos aqui conversando. Até quando?”, questionou o economista Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. Em encontro realizado hoje (29), no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, no centro de São Paulo, ele refletiu sobre como a organização popular pode fazer frente à sanha autoritária do grupo político que ascendeu ao poder com o presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Para o presidente da Fundação Maurício Grabois (PCdoB), Renato Rabelo, Bolsonaro e o seu ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, conservam a mesma “ambição totalitária”. O estilo de ambos é de concentração de poderes, com a destruição dos demais. Moro, assim como quando era juiz da Lava Jato, tenta agora controlar todos os passos da investigação sobre os supostos hackers responsáveis pelos vazamentos das conversas que revelaram os bastidores da operação. Já Bolsonaro discursa sempre diretamente com a base de seus apoiadores, estimulando-os a se insurgirem contra as instituições, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo Rabelo, o eixo central do governo é a “destruição de tudo o que é público e social”. Ele destacou o fim do sistema de seguridade social pela “reforma” da Previdência, e a desolação da Floresta Amazônica, com aumento do desmatamento e ataques a populações indígenas como ações da agenda destrutiva do governo Bolsonaro.

“A retoma do crescimento e o combate ao desemprego não constam na agenda do governo. Trata-se de uma agenda ultraliberal que vai aprofundar as desigualdades sociais e promover a miséria da maioria da população”, afirmou Rabelo. Os dilemas que Bolsonaro enfrenta, segundo ele, são a dificuldade em formar uma maioria estável no Congresso e a perda precoce de apoio popular registrada nas últimas pesquisas de opinião que demonstram que apenas um terço da população seguem confiando no governo.

Oposição

Rabelo não concorda com a avaliação de que os partidos de oposição enfrentam uma espécie de “paralisia” nestes primeiros meses de governo. Ele destacou a ação dos parlamentares que conseguiram impedir os pontos mais críticos da “reforma” da Previdência – como o sistema de capitalização e a proposta de desconstitucionalização –, além da atuação dos governadores do Nordeste, em claro contra ponto às principais propostas do governo.

Para o dirigente da Fundação Mauríco Grabois, a “indignação latente vai se transformando em luta”, e citou duas grandes mobilizações dos estudantes realizadas contra os cortes na educação, além da greve geral que contou com a adesão de todas as principais centrais do país. Na comparação histórica, ele disse que, após o golpe de 1964, demorou anos para que os trabalhadores se organizassem para resistir ao regime.

“Estamos diante de situação emergencial. Dialogar e unir todas as forças possíveis de serem Unidas é fundamental. Estudantes, trabalhadores, artistas. Defender a Constituição e a democracia não é responsabilidade apenas da esquerda.” A mobilização pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é uma das questões mais importantes dessa luta democrática, destacou.

Fascismo

O presidente da Fundação Leonel Brizola/Alberto Pasqualini (PDT), o ex-ministro Manoel Dias, também alertou para a capacidade destrutiva do governo Bolsonaro, a quem classificou como “maluco fascista e destemperado”. “Eles têm método. O método é a destruição do Estado. Fosse uma espécie de capitalismo tradicional, haveria regras. Mas não é. É fascismo puro. Bolsonaro é útil ao sistema. Ele aposta no impasse, e está tentando criar um ambiente de que ‘com essa gente, não dá para governar'”, afirmou,  se referindo aos ataques retóricos do presidente contra as instituições.

Dias acrescentou que o governo e seus apoiadores no setor empresarial perseguem os direitos dos trabalhadores que ainda não conseguiram acabar nas “reformas” trabalhista e da Previdência. O alvo, agora, é pôr fim à contribuição patronal à Previdência, que vem sendo tentada por meio da chamada “MP da Liberdade Econômica“. “Empresários estão organizando caravanas a Brasília, e toda forma de envolvimento, para pressionar o Congresso para fazer a reforma que eles entendem, que é a redução de tudo.” O próximo objetivo do governo Bolsonaro, segundo Dias, é acabar com a Justiça do Trabalho.

Em consonância com o discurso do ex-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, o dirigente cobrou a “autocrítica” dos setores progressistas e de esquerda. “Não vamos salvar o povo. Temos que auxiliar o povo na sua organização”, destacou. Ele ressaltou que as bandeiras reformistas pertencem tradicionalmente ao setor progressista, mas foi tomada agora pelos conservadores e pela extrema-direita. “O governo Lula resgatou 50 milhões de miseráveis, com políticas de distribuição de renda, mas não fizemos uma reforma”, declarou Dias. “Se não fizermos reformas levando em consideração aquilo que defendemos, eles farão da maneira deles. E estão aí, detonando com todas as conquistas históricas.”

O ex-governador da Paraíba Ricardo Coutinho, presidente da Fundação João Mangabeira (PSB), também defendeu uma autocrítica e o fortalecimento das alianças entre setores progressistas para frear, especialmente, os ataques de Bolsonaro contra o patrimônio público brasileiro. “Soberania é fundamental. Tem um trem passando. Estão vendendo grandes parcelas do nosso patrimônio, estão criando um protetorado norte-americano aqui. Em médio prazo, podemos recuperar parte do Brasil com essa luta. O que nos assusta é a apatia, que parece doença”, disse.

Comunicação e esperança

Pochmann mencionou a questão da comunicação. Ao lado do presidente do Psol, Juliano Medeiros, o economista considera fundamental o debate sobre o tema para reverter o atual cenário de terras arrasadas. “O primeiro passo para mudarmos é compreender melhor. Neste quadro dramático, na maior crise da história, não podemos ficar nesta posição”, disse o economista.

A forma da comunicação deve ser aperfeiçoada de acordo com os novos tempos, defende o petista, ao defender maior presença de propostas e esperança no discurso. “Fazemos aqui um discurso racional. A situação do Brasil está ruim e vai piorar. Nosso discurso não traz esperança. O que acontece quando um paciente chega no médico que diz que está com câncer e vai morrer na semana seguinte? Ele vai em outro médico”, disse.

Para Pochmann, o discurso racional de argumentar sobre a crise só leva para saídas individuais, ao contrário de outro modelo em ascensão: “O discurso da igreja diz ‘irmão, você está desempregado, junte-se a nós. Aleluia, aqui você vai ser mais forte. Dona Maria estava desempregada e arrumou emprego’. É o discurso de agregação. Comunicação hoje tem que ser direta. A disputa de narrativa é diária. Não espere um livro, um congresso. A esquerda se organiza do ponto de vista de ações racionais, mas fazendo sempre a mesma coisa, dificilmente mudaremos o resultado”.

Juliano Medeiros vê o discurso direto e agregador presente em Bolsonaro e na extrema-direita. “Ele é um sujeito que tem menos de mil palavras no vocabulário, ou seja, um vocabulário de uma criança de 12 anos. Mas isso não é pra depreciar. Uma das coisas que transformou Lula em um grande líder foi linguagem simples e direta. Bolsonaro fala simples e as pessoas entendem.”

O poder dessa comunicação direta é tanto que o eleitorado releva problemas gravíssimos de caráter e moral no discurso bolsonarista. “Quando ele disse que preferia que um filho morresse em um acidente do que fosse gay, mesmo entre os eleitores dele, ele causou mal-estar. Nenhum pai prefere ver um filho morto. Isso não existe. As pessoas sabem que Bolsonaro é machista, racista. Elas não admiram isso, exceto uma minoria de extrema-direita. Mas a maioria não admira, e tolera. Acha que não é tão importante assim. São pistas para pensarmos nossa comunicação”, disse Medeiros.

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