Entrevista

‘A democracia nunca existiu no Brasil’, diz Comparato

Jurista que atuou no impeachment de Fernando Collor de Mello fala à RBA sobre decisões de ontem do STF: 'Juízes sempre descobrem uma técnica para dizer que o Direito está de um lado ou de outro'

Reprodução/Youtube

“Supremo não poderia deixar de julgar se houve ou não abuso do instituto do impeachment”, diz Comparato

São Paulo – Considerado personalidade relevante do pensamento de esquerda para além da área do Direito, na qual atua, Fábio Konder Comparato esteve na “linha de frente”, como já se disse, da luta contra as privatizações das estatais. Junto com colegas advogados, por exemplo, foi autor de ação popular contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce.

Foi um dos advogados que, em 1992, propôs o pedido de impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Notório simpatizante dos movimentos sociais, Comparato é autor de vários livros, como A Civilização Capitalista e Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, e um dos juristas mais importantes do país.

Ele comentou os julgamentos do Supremo Tribunal Federal, que, ontem (14), “abriu as portas”, como disse o ministro Marco Aurélio Mello, para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

“Só muito tarde eu aprendi que os juízes julgam sobretudo com seus valores e sua mentalidade. Quando eles têm que julgar um caso em que há um político que apoiam ou que eles rejeitam, certamente descobrem uma técnica para dizer que o Direito está de um lado ou de outro”, disse hoje (15), à RBA.

É exagero dizer que o O STF deu sinal verde ao golpe?

Eu acho que é exagerado, mas de qualquer maneira deixaram entrever que não vão se imiscuir numa decisão do Legislativo. Acontece que a Constituição declara que todos aqueles que sofreram uma violação em seus direitos, ou toda violação de direitos – não precisam ser fundamentais – é sujeita à apreciação do poder Judiciário. De maneira que o Supremo não poderia deixar de julgar se houve ou não abuso do instituto do impeachment.

Mas, enfim, o tribunal negou todas as tentativas, do PCdoB, do PT, da AGU…

Eu vou te dizer o seguinte: só muito tarde é que eu aprendi que os juízes julgam sobretudo com seus valores e sua mentalidade, e esses valores são muito importantes em matéria política. Quando eles têm que julgar um caso em que há um político que apoiam ou que eles rejeitam, certamente descobrem uma técnica para dizer que o Direito está de um lado ou de outro.

O senhor está otimista ou pessimista diante do quadro?

Olha, eu acho que ela vai ser destituída, mas acho que isso aqui não é importante. O importante, o grave, que pode se tornar trágico, é o fato de que o Estado brasileiro, tal como ele está, com esses governantes, ele não tem condições de enfrentar um colapso econômico. Esse colapso vai atingir em cheio as camadas pobres da população. Os ricos e industriais simplesmente fecham a indústria e põem o dinheiro no banco, ganhando juros. Os empregados despedidos vão se queixar a quem? E, segundo o programa do PSDB, o Michel Temer vai contribuir para  agravar ainda mais essa situação com a sua concepção neoliberal. Ou seja, nós todos sabemos, desde a grande crise de 1929 no mundo, que só há uma forma de tratamento: a entrada vigorosa, racional, bem planejada, do Estado na vida econômica.

Alguns intelectuais acreditam que podemos entrar numa ditadura e outros consideram que a democracia, apesar de tudo, está consolidada. Qual sua opinião?

Não, a democracia nunca existiu no Brasil. Porque a democracia é poder supremo do povo. Você dirá que eles vão continuar com o mesmo sistema e não vão apelar para os militares. Eu vou lhe dizer uma coisa que pouca gente sabe. Quando eu fui advogado da OAB na questão da Lei da Anistia, no dia do julgamento, no intervalo, eu me encontrei com o (Ricardo) Lewandowski (presidente do STF). Você imagina bem onde, não é? No lugar em que todo mundo se encontra no intervalo. Ele me disse: “Olha, Comparato, ontem, todos nós, ministros, jantamos no Planalto, a convite do Lula e do Nelson Jobim. E o Lula pediu insistentemente para nós julgarmos improcedente essa ação”. E depois eu soube que, quando eu propus a ação, em nome da OAB, eles foram procurar o Lula e disseram: “Olha, Lula, nós não vamos fazer pressão alguma sobre você. Com uma condição: nenhum oficial das Forças Armadas pode ser condenado por crimes cometidos durante o regime militar”.

Pela sua análise, estamos entrando num momento sombrio, mesmo, não é?

Eu acho que sim. Agora, a gente não pode desanimar. A gente tem que fazer uma reflexão no sentido de unir todos os grupos para conseguir um modelo político democrático e um plano econômico de recuperação total da vida econômica e social.

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