Coincidência

Operação da PF é desencadeada um dia antes de reunião dos 35 anos do PT

De 62 nomes listados, somente o do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, aparece nos jornais, que já estavam a postos. Para completar cerco ao governo, Eduardo Cunha instala CPI da Petrobras na Câmara

Roosewelt Pinheiro/ABr/Fotos Públicas

Defesa de Vaccari diz que condução forçada é desnecessária. Tesoureiro diz estar tranquilo e nega doações ilegais

São Paulo – O PT afirmou hoje (5), por meio de nota, que acionará na Justiça as pessoas que envolvem o nome da legenda em acusações de irregularidades. A nota foi divulgada em resposta a acusações contra o partido feita pelo ex-gerente da Petrobras Pedro José Barusco Filho, investigado na operação Lava Jato. “As novas declarações de um ex-gerente da Petrobras, divulgadas hoje, seguem a mesma linha de outras feitas em processos de ‘delação premiada’ e que têm como principal característica a tentativa de envolver o partido em acusações, mas não apresentam provas ou sequer indícios de irregularidades e, portanto, não merecem crédito. Os acusadores serão obrigados a responder na Justiça pelas mentiras proferidas contra o PT”, diz a nota.

A Polícia Federal deflagrou hoje a nona fase da Operação Lava Jato, denominada “My Way”. A ação foi desencadeada um dia antes da reunião do partido em Belo Horizonte, para as comemorações dos 35 anos da legenda, com a presença da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para investigar doações solicitadas pelo tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, a suspeitos de operar remessas para pagamento de propina envolvendo a diretoria de Serviços da Petrobras.

A justificativa dada pelo procurador-regional da República em São Paulo, Carlos Fernando dos Santos Lima, teria sido de colher informações a respeito de doações que Vaccari solicitou, legais ou ilegais, envolvendo pessoas que mantinham contratos com a Petrobras.

Agentes da PF estão cumprindo um mandado de prisão preventiva, no Rio; três de temporária, em Santa Catarina; 40 de busca e apreensão; e 18 de conduções coercitivas, quando a pessoa é levada a uma unidade da PF por agentes para prestar depoimentos. Vaccari é o único nome repercutido na imprensa, de um total de 62 mandados emitidos. Na entrada da unidade da PF em São Paulo, Vaccari já foi recebido por repórteres e fotógrafos.

Um dirigente partidário ouvido pela RBA observou que desde o ano passado – “Quando ficou evidente que os vazamentos seletivos à imprensa de informações sigilosas eram endereçadas para atingir a reeleição da presidenta Dilma e o PT” – havia uma certa obsessão sobre o tesoureiro do partido.

“Vaccari já passou por oito episódios de delação premiada, teve sua imagem mais uma vez exposta ao linchamento na ocasião da prisão dos executivos das empreiteiras e nenhuma evidência que o incriminasse”, disse o dirigente. “O espetáculo da oposição midiática contava com ao menos um dia de prisão, o que não se viabilizou. Agora, essa condução coercitiva atendeu em parte essa demanda.”

O depoimento de Vaccari transcorreu com tranquilidade, segundo nota emitida por seu advogado de defesa, Luiz Flávio Borges D’Urso. De acordo com o advogado, Vaccari “há muito ansiava pela oportunidade de prestar os esclarecimentos que nesta data foram apresentados à Polícia Federal, para de forma cabal, demonstrar as inúmeras impropriedades publicadas pela imprensa nos últimos meses, envolvendo seu nome”. O texto reitera que “o PT não tem caixa dois, nem conta no exterior, que não recebe doações em dinheiro e somente recebe contribuições legais”.

D’Urso protesta contra a forma como o depoimento foi tomado: “O Sr. Vaccari permanece à disposição das autoridades, para prestar todos e quaisquer esclarecimentos, e que sua condução coercitiva, desta data, entendeu-se desnecessária, pois bastaria intimá-lo, que o Sr. Vaccari comparece e presta todas as informações solicitadas, colaborando com as investigações da Operação Lava Jato, como sempre o fez”.

Pessoas próximas a Vaccari afirmam que o depoimento transcorreu com tranquilidade, sem constrangimentos e que o dirigente participará amanhã da atividade de aniversário do partido em Belo Horizonte.

Meu caminho

A operação da PF foi desencadeada a partir de denúncias em delação premiada do ex-gerente de engenharia da Petrobras Pedro José Barusco Filho, segundo o qual o PT teria recebido entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões no período de 2003 a 2013, como pagamento de propina proveniente de contratos da companhia, entre os quais o da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

Nas denúncias, Barusco teria afirmado que Vaccari participou do esquema. Vaccari foi implicado em denúncias do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef. Segundo a Agência de Notícias do PT na internet, Vaccari deixou o prédio da Superintendência Regional da PF em São Paulo e afirmou que “todas as perguntas feitas pelo delegado foram esclarecidas”. “Respondi a tudo com transparência, lisura e total tranquilidade”, disse.

Ontem, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, afirmou em Brasília que a Petrobras “precisa ser fortalecida e o combate à corrupção tem de ser permanente”. Para ele, “há uma tentativa muito grande de desmerecer a Petrobras como empresa pública”. O interesse futuro seria privatizar a empresa.

A operação “My Way” (“Meu caminho”, título de um clássico de Frank Sinatra) leva esse nome por ser o apelido pelo qual era conhecido o ex-diretor da Petrobras Renato Duque. O título da nona fase da operação parece conter uma mensagem velada contra o PT e o governo Dilma Rousseff, num momento em que especulações a respeito do impeachment são cada vez mais divulgadas pela mídia. “E agora o fim está próximo/ E portanto encaro o desafio final”, diz o verso de abertura da canção.

Esta semana, soube-se que o parecer do jurista Ives Gandra Martins segundo o qual o impeachment seria juridicamente plausível foi encomendado pelo advogado José de Oliveira Costa, que trabalha para Fernando Henrique Cardoso. A teoria de Gandra foi imediatamente contestada no meio jurídico.

Rui Falcão disse que se trata “golpismo”. “Não vejo nem base jurídica, nem base política. Essas tentativas ensaiadas, que flertam com o golpismo, eu não levo a sério. A população brasileira está muito firme com o propósito da democracia, da participação cada vez maior.”

CPI de Eduardo Cunha

Enquanto isso, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), leu na manhã de hoje no Plenário o ato de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras. Os integrantes do colegiado ainda não foram indicados pelos partidos, o que ocorrerá na próxima semana. A CPI terá 26 membros titulares e 26 suplentes e vai investigar supostas práticas de atos ilícitos na companhia entre 2005 e 2015.

No lançamento de seu livro Cartas a Lula, ontem, em São Paulo, o jornalista e escritor Bernardo Kucinski comentou, em debate, que a grande imprensa distorce o tema da corrupção na Petrobras, como se ela tivesse começado nos governos petistas. “Precisaria explicar como começou a corrupção na Petrobras, porque ficou atrelada ao petismo. Mas a corrupção existe há décadas”, disse.

Em 1997, terceiro ano do primeiro mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso, o jornalista Paulo Francis disse em um programa televisivo que havia um esquema de roubalheira na Petrobras. Francis foi alvo de uma ação de indenização ajuizada pelo então presidente da empresa, Joel Rennó, com pedido de indenização de US$ 100 milhões contra o jornalista. Segundo amigos, Francis teria morrido vítima de depressão decorrente da ação. Nenhuma providência foi adotada para apurar as denúncias de Paulo Francis e a imprensa “esqueceu” o assunto.

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