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IPTU progressivo tem finalidade urbanística, e não tributária, alerta especialista

Rosana Denaldi, professora do mestrado em gestão de território da Ufabc, destaca necessidade de 'traduzir' para a população instrumentos técnicos de indução e controle do desenvolvimento urbano

São Paulo – A prefeitura de São Paulo dará início, nos próximos dias, às notificações a proprietários de imóveis vazios ou subutilizados na região central da cidade sobre a aplicação do Parcelamento, Edificação ou Uso Compulsórios (Peuc), instrumento legal de combate à especulação imobiliária. Serão cinco anos para que as propriedades que hoje servem de “reserva de mercado” do setor imobiliário passem a ter uso, sob pena de reajustes anuais progressivamente mais pesados do Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU) e até desapropriação de imóveis, em casos extremos –e transforma-se, assim, em uma das poucas cidades do país que retiraram do papel os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, lei federal de 2001.

Rosana Denaldi, professora da pós-graduação em Planejamento e Gestão de Territórios da Universidade Federal do ABC, está conduzindo uma pesquisa sobre a aplicação da Peuc e do IPTU progressivo como ferramentas urbanísticas, e revela como esses instrumentos, de forma geral, são negligenciados pelo poder público. “A primeira constatação do nosso levantamento foi que muitos municípios preveem em lei a aplicação da Peuc, mas isso não se realiza. Dos cerca de 110 municípios que estamos pesquisando, só 25 detalharam a lei para valer. E, que aplicaram medidas práticas, são apenas oito. O IPTU progressivo, apenas uma das cidades já está cobrando. É um tema complexo, que exige capacitação técnica da prefeitura, além de condições de mercado e políticas para poder acontecer”, conta.

O estudo de Rosana, “A efetividade dos instrumentos de Direito Urbanístico – Edificação compulsória, IPTU progressivo e desapropriação por títulos da dívida pública”, está sendo realizado sob edital do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e traçará diretrizes para aplicação dessas políticas públicas de indução do desenvolvimento urbano, bem como um balanço de sua aplicação.

“O que São Paulo fez foi invejável, com a criação de um departamento exclusivo para lidar com o uso social da propriedade. Nenhuma outra prefeitura tem isso, embora o tamanho da cidade justifique”, afirma Rosana, ao comentar as dificuldades técnicas encontradas por prefeituras de menor porte para aplicar a Peuc e o IPTU progressivo. A Diretoria de Controle da Função Social da Propriedade, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano de São Paulo, foi criada em 2013 com o objetivo de concluir o trabalho de mapeamento de imóveis vazios ou subutilizados na cidade, trabalho que foi iniciado em 2010 mas nunca finalizado pelo governo do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD, à época no Dem, 2006-2012).

“Um dos principais problemas políticos que encontramos para a aplicação do IPTU progressivo é a sucessão de governantes e a descontinuidade de projetos por diferenças de concepção política”, conta a professora, mas pesam sobre esse debate, ainda, a pressão do mercado imobiliário por regras mais frouxas contra a especulação, e a desinformação da sociedade sobre o assunto. “É uma missão da imprensa e do poder público contribuir com uma maior ‘educação urbanística’ entre as pessoas, para que esse tipo de mecanismo seja bem entendido. O IPTU progressivo, apesar do nome, não é uma ferramenta tributária, é de indução do desenvolvimento. São temas técnicos, mas que tem de ser ‘traduzidos’ para as pessoas porque têm impacto direto na qualidade de vida”, explica.

No caso de São Paulo, o governo priorizou a indução à utilização de imóveis no centro da cidade, em especial nas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), como forma de facilitar a implantação de projetos de moradia. Mas a Peuc pode servir também para direcionar a direção e o tipo de expansão de uma cidade de menor porte. “Cidades pequenas em expansão se aproximam de grandes propriedades rurais, por exemplo, o que exige uma nova organização do espaço. Além disso, a Peuc exige o comprimento de alguma função social para a propriedade, mas não restringe a modalidade. Pode servir para disponibilizar terrenos para o setor produtivo, que em muitos lugares vê a Peuc com bons olhos”, exemplifica. A Peuc e o IPTU Progressivo podem, ainda, ser instrumentos de preservação ambiental.

“Como poucas cidades tiram efetivamente essas ferramentas do papel, ainda vamos descobrir o potencial total das aplicações da Peuc e do IPTU Progressivo. Mas é, com certeza, um caminho para uma cidade mais sustentável, mais justa e mais saudável”, pondera Rosana. “Temos algo de muito positivo, nos últimos anos, que é a divulgação de uma agenda positiva de regulação urbana, a compreensão de que o planejamento não é uma questão tecnocrática, mas de garantia de uma cidade mais humana. As cidades, hoje, são moldadas pelos negócios”, completa.

A professora destaca que o desafio para gestores públicos nos próximos anos é garantir que instrumentos como esses saiam do papel e sejam aplicados com mais velocidade. “Temos o desafio de construir pactos políticos. Fica cada vez mais difícil resolver os problemas da cidade conforme ela cresce”, pontua.

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