Cartas na mesa

Dilma e líderes no Congresso aparam arestas e esboçam temas de plebiscito

Planalto ameniza tom em reuniões com partidos e líderes, tenta desfazer clima de desconforto na busca de apoio para consulta popular e corre pela aprovação da reforma política

Antonio Cruz/ABr

Dilma assumiu a dianteira de acolher demandas dos protestos; agora divide a bola com partidos da base

Brasília – Depois de dias tensos, a presidenta Dilma Rousseff e seus ministros dedicaram-se nesta quinta-feira (27), pela primeira vez, ao esforço de aparar arestas e desfazer o clima ruim com os partidos e parlamentares. Deputados e senadores votaram, desde terça-feira, matérias pautadas pelos anseios da população manifestados nas ruas e demonstraram apoio à ideia de se fazer uma consulta popular. Mas ao mesmo tempo deixaram claro aos líderes sua insatisfação pelo fato de o Legislativo ter sido atropelado. A tentativa de apaziguamento foi observada ao longo de toda a reunião entre a presidenta, sua equipe, e os presidentes dos partidos da base aliada reunidos no Palácio do Planalto até o início da tarde de hoje.

A mudança foi sentida a começar pelo tom da conversa, marcada por elogios do Executivo à postura do Congresso nos últimos dias e pela reiteração do papel dos parlamentares na reforma política. O recado foi passado para os repórteres ao final da reunião pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, que tem sido um interlocutor frequente entre imprensa e presidenta.

“O Congresso é que tem a palavra final, a competência para estabelecer a lei partidária, a lei eleitoral. O plebiscito vai balizar e nortear a reforma, mas quem definirá tudo será o Congresso”, disse. Mercadante também fez questão de lembrar que a presidenta “saudou o movimento dos parlamentares” no sentido de acolher as demandas dos manifestantes nos protestos de rua.

Analógico e digital

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, tratou de atuar como o porta-voz dos presidentes das legendas ao final da reunião, pregando a conciliação sobre “a importância de a população ser ouvida”. Campos – que é um provável candidato à Presidência em 2014 – enfatizou que a base aliada apoia “majoritariamente” a proposta de se fazer um plebiscito e, em seguida, a reforma política. “Os partidos concordaram que é preciso ouvir o povo. Nós, as forças políticas, precisamos compreender a distância que se estabeleceu entre a sociedade e sua representação, como se os governos, os partidos, fossem analógicos e como se a sociedade fosse digital”, acentuou.

O ponto destoante desse discurso foi nota divulgada pelo Partido Progressista (PP). Assinada pelo presidente da sigla, senador Ciro Nogueira (PI), a nota enfatiza que o plebiscito não é o mecanismo mais adequado e considera que a melhor forma de se chegar à aprovação da reforma política seria um referendo. “A disposição dos partidos da base é ajudar a presidente Dilma a ouvir e dar consequência aos reclames da rua. O povo brasileiro já mostrou que vai renovar a política do Brasil e a mudança está em curso”, afirmou, em contraponto, Eduardo Campos.

Quais perguntas

Cientes de que o tempo é curto, governo e partidos já se articulam para definir as sugestões e consolidar as perguntas a serem feitas no plebiscito. Os pontos principais deverão ser, segundo Mercadante, a questão do financiamento de campanha – se poderá ser público, privado ou misto – e o sistema de votação – se proporcional, como é hoje, ou um sistema majoritário, o distrital, ou ainda um sistema distrital misto.

No Congresso, os parlamentares falam em acrescentar na lista perguntas sobre o financiamento de campanhas, se haverá ou não vedação de contribuições de empresas e limites de doações para pessoas físicas.

Também se discute a possibilidade de ser incluída entre as perguntas a redução do número de parlamentares, já que uma consulta em apreciação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aborda o tema e afeta, diretamente, a mudança no número de bancadas na Câmara e no Senado. E, por fim, se o eleitor prefere apoiar o sistema de lista aberta (como acontece hoje), com eleição proporcional, ou lista fechada ou o voto em dois turnos (chamado de voto transparente).

“Estamos aguardando apenas o resultado da consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ver essa questão de prazos e operacionalização, mas o governo considera o plebiscito a melhor opção e a maioria dos partidos apoiou a ideia”, completou Mercadante. Informações de fontes do Palácio do Planalto, no entanto, dão conta de que Dilma Rousseff já teria recebido um telefonema da presidenta do TSE, ministra Cármen Lúcia, na tarde de ontem, mas nenhuma posição sobre isso foi formalizada.

Restam 13 semanas

Os prazos, no entanto, estão previamente definidos: pelas contas de deputados e senadores, a partir de consultas feitas por analistas do Judiciário e do Legislativo, restam apenas 13 semanas para que o plebiscito seja realizado para que a reforma política seja votada e a nova legislação seja sancionada de forma a valer para as eleições de 2014.

Isso porque qualquer alteração nas regras das eleições só pode ser feita até um ano antes do pleito, dentro do que estabelece o princípio da anterioridade da lei eleitoral, previsto no artigo 16 da Constituição Federal. Em outras palavras: qualquer mudança na atual regra para as eleições de 2014 só pode ser feita até o dia 5 de outubro deste ano, explicou o assessor parlamentar do TSE, Flávio Santana.

Por isso, tanto o Congresso como o governo esperam que até a próxima terça-feira (2/7) a presidenta Dilma encaminhe uma mensagem ao Congresso pedindo para ser aprovada a definição de uma consulta popular. A partir daí, Câmara e Senado vão regulamentar o plebiscito e as perguntas a serem feitas à população, assim como a data para a consulta – ouvindo todos os setores e partidos políticos.

Aprovada essa parte, cabe ao TSE definir como será feita a campanha e o horário gratuito em rádios e TVs para chamar a atenção da população e preparar a realização da consulta. A princípio, o plebiscito acontece até o dia 15 de agosto. “O governo vai ter de usar todo sua habilidade neste momento para conseguir o entendimento necessário e o consenso entre as perguntas, para que o plebiscito possa acontecer em tempo hábil. As lideranças terão que mostrar seu poder de fogo nesse processo”, avaliou o cientista político David Fleischer.

Preocupação com a pressa

O ambiente na Câmara e no Senado, porém, é de preocupação, não apenas com a reforma política e o plebiscito, mas também com as medidas aprovadas nos últimos dias. Além das críticas dos deputados e senadores da oposição, a própria base aliada considera que o Congresso se sentiu acuado com os anúncios recentes da presidenta e levado pela obrigação de aprovar as matérias pedidas nas ruas sem uma certeza sobre o que está sendo provocado. O que pode fazer com que o resultado se volte contra o próprio Legislativo, posteriormente.

“Sempre se reclama quando a imprensa fala que os parlamentares não trabalham. Agora eu me preocupo com as notícias de que o Congresso está trabalhando demais”, disse o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). De acordo com ele, o temor é que aconteça como quatro anos atrás, quando, em função da morte do menino João Hélio, arrastado por assaltantes em São Paulo, foi votada em caráter de urgência dentro do código de execuções criminais uma legislação cujo teor já existia nas matérias em tramitação. “Acho que tudo que é feito açodadamente é complicado. É preciso cautela”, afirmou.

Também o senador, Cristovam Buarque (PDT-DF) alertou para a pressa na apreciação dos projetos. Buarque destacou que é importante que as manifestações, que externam o anseio da população, tenham continuidade até mesmo para estimular o Congresso. Mas deixou claro que considera importante ser respeitado o rito necessário para tramitação das matérias, “caso contrário se repetirá o que foi visto durante a votação da MP dos Portos”.

“O plebiscito é sempre interessante e válido, mas a população está buscando medidas mais imediatas. O Congresso precisa estabelecer um calendário e medidas práticas”, disse o deputado Ruy Carneiro (PSDB-PB).

Da reunião com os presidentes dos partidos participaram Eduardo Campos (PSB), Carlos Lupi (PDT), Valdir Raupp (PMDB), Ciro Nogueira (PP), Rui Falcão (PT), Gilberto Kassab (PSD), Alfredo Nascimento (PR), Renato Rabelo (PCdoB), Benito Gama (PTB) e Marco Antonio Pereira (PRB). Na tropa de choque do governo estiveram presentes, o vice presidente Michel Temmer e os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Aloizio Mercadante (Educação).

Arte: Júlia Lima

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