Salário dos parlamentares deveria ter reajuste igual ao do mínimo, diz ONG

Associação considera que reajuste aprovado na Câmara e no Senado ao final da legislatura mostra necessidade de reforma política

São Paulo – A Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong) considera que a aprovação de um reajuste de 60% para deputados federais e senadores mostra a necessidade de uma reforma política. Em nota, a entidade defende que a remuneração dos parlamentares tenha correções atreladas às do salário mínimo.

No texto, a associação qualifica a decisão como “um escândalo”, considerando-se que salário mínimo atual de R$ 510 corresponde a um quarto do que deveria ser para cumprir o preceito constitucional de garantir acesso a alimentação, moradia, lazer, educação, cultura transporte etc. A proposta discutida no Congresso para 2011, coloca o piso salarial nacional em R$ 540. Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o valor deveria ser de R$ 2.222,99 em novembro deste ano.

A reforma política defendida pela Abong deveria conter, entre outras medidas, que o reajuste dos parlamentares seguisse o concedido ao mínimo. “Isto obrigaria deputados e senadores a pensarem primeiro na maioria, naqueles que sobrevivem com até três salários-mínimos, que são três quartos dos trabalhadores assalariados”, registra a nota.

Outra medida defendida pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político Brasileiro seria o fim das emendas parlamentares para acabar com as “relações incestuosas entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo”. O recurso é qualificado como a “forma legal de ‘compra de votos'” de parlamentares.

“É preciso garantir o controle social da esfera política”, prega a nota. Para isso, defende-se o fortalecimento de instâncias como conselhos e conferências setoriais, que passariam a ter poder deliberativo – atualmente, são apenas organismos consultivos e de definição de diretrizes. A mudança permitiria “caminhar em direção a uma verdadeira democracia participativa”, conclui o texto.

Leia a íntegra da nota da Abong:

Reforma política já!

Nos últimos dias antes do início do recesso parlamentar, no apagar das luzes de 2010, a maioria do Congresso acaba de aprovar um novo “trem da alegria”: um aumento para os seus próprios salários e de outras autoridades, variando de 60% a 140%. Há um mês e meio, vários setores do governo e da mídia vêm repetindo incansavelmente que é preciso cortar gastos, que 2011 vai ser o ano do aperto, que o salário-mínimo não poderá ultrapassar R$ 540,00 – correspondente à inflação do ano, 5% -, que os funcionários públicos não terão aumento. E, de repente, em um dia, deputados (as) e senadores (as) aprovam este aumento para equiparar todos os seus salários ao mais alto salário do funcionalismo, o dos Ministros do STF – R$ 26 mil.

É um escândalo, para dizer o mínimo! Num país em que o salário-mínimo – embora tenha tido aumentos reais neste governo – corresponde a ¼ do que deveria ser (se a lei de criação do salário-mínimo fosse cumprida, segundo o DIEESE, o salário-mínimo deveria ser de R$ 2 mil), neste país, os parlamentares federais se atribuem um aumento salarial de 60%. Isso sem contar os inúmeros auxílios que recebem: verbas para manutenção de gabinetes, moradia, funcionários, transporte e inclusive vestuário.

De onde virão os recursos para pagar esta farra? Dos impostos pagos pelos cidadãos e cidadãs. Inclusive os (as) mais pobres, que pagam impostos sobre o consumo do mesmo modo que os mais ricos, deixando quase metade do que ganham. De sorte que os (as) pobres estão pagando pelo enriquecimento de seus (suas) representantes – enriquecimento decidido pelos (as) próprios (as) beneficiários (as)!

Não podemos admitir que esta decisão, tomada a toque de caixa, passe por cima dos interesses dos (as) eleitores (as), uma decisão antidemocrática, que desrespeita a vontade da maioria dos (as) cidadãos (ãs), senão todos (as), fique como está. Esta decisão precisa ser revertida, para resguardarmos o interesse público.

Esta decisão injusta demonstra que o Brasil precisa urgentemente passar por uma Reforma Política que, entre outras coisas, estabeleça que o reajuste salarial dos (as) parlamentares deve ser o mesmo concedido ao salário-mínimo. Isto obrigaria deputados (as) e senadores (as) a pensarem primeiro na maioria, naqueles (as) que sobrevivem com até três salários-mínimos, que são ¾ dos (as) trabalhadores (as) assalariados (as). Uma Reforma Política que reveja as relações incestuosas entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, que acabe com as emendas dos (as) parlamentares – forma legal de “compra de votos” de deputados (as). O Executivo concede tais emendas aos (às) parlamentares que votam de acordo com os seus interesses: ou seja, decide sobre a utilização de recursos públicos (“o meu, o seu, o nosso” dinheiro) para fins particulares, para atender aos interesses privados de representantes políticos. Para transformar esses e outros aspectos do atual sistema político, a ABONG integra a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político Brasileiro.

É apenas aparência a ideia de que o Poder em que ocorre mais corrupção é o Legislativo. O Legislativo aprovou a Lei da Ficha Limpa; quem está descumprindo esta lei são setores do Poder Judiciário, que estão “lavando” a ficha de políticos acusados de improbidade administrativa e corrupção. E quem são os corruptores de representantes do Legislativo? São empresas, sem dúvida, financiadoras de suas campanhas – os maiores financiadores, segundo tem divulgado a mídia, são bancos e empreiteiras. Mas também o próprio governo, que dispõe de inúmeros meios para conquistar os votos de parlamentares hesitantes: desde as emendas, já citadas, até a oferta de cargos, que são inúmeros, como se sabe.

Queremos um país que seja governado pela vontade do povo – este é o sentido original de democracia. Para isso, precisamos reformar o nosso sistema político, de modo que esta vontade possa ser expressa e tenha poder de decisão. É preciso garantir o controle social da esfera política. É preciso que as instâncias de participação – conselhos, conferências – tenham poder não apenas consultivo, mas deliberativo, para que possamos caminhar em direção a uma verdadeira democracia participativa.

 

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