Ativista vê ‘grilagem eletrônica’ em liberação de TV a cabo para telefônicas

Texto segue para o Senado em caráter conclusivo. Se aprovado, canais religiosos teriam prioridade

São Paulo – O projeto de lei aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados que abre o mercado de TV a cabo para as empresas de telefonia é alvo de críticas por parte do Coletivo Intervozes, que discute a democratização da comunicação. A medida segue ao Senado e, se aprovado, daria prioridade a canais religiosos, além de obrigar a transmissão de emissoras abertas desde que seja tecnica e economicamente viável.

Ainda que o substitutivo ao PL 29 de 2007 tenha pontos positivos, João Brant, membro da coordenação executiva do grupo, entende que há um grave erro em uma das emendas apresentadas pelo relator, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O texto ratifica uma decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre o Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVAs), uma licença obtida na década de 1980 por 25 operadoras de TV. Essas empresas, entre as quais está a Globo, podem utilizar canais de televisão UHF para prestar o serviço de TV paga. Pela emenda de Cunha, as concessões que estejam em vigor na data de promulgação da nova lei são automaticamente legalizadas, passando a fazer parte do chamado Serviço de Acesso Condicionado (SAC).

João Brant lamenta que seja feita a regularização de frequências que poderiam ser utilizadas na TV aberta e que muitas vezes nem estão em operação, servindo para uma “reserva” feita pelas empresas de comunicação. “Uma área que é um filé mignon do espectro sendo utilizada por ‘latifundiários’ que as transformaram em ‘latifúndios improdutivos'”, compara. “É praticamente uma grilagem eletrônica. É um latifúndio improdutivo que vai ganhar peso de ouro”, condena.

Outra polêmica no projeto envolve canais religiosos. Fica determinado que as operadoras de TV paga devem retransmitir todo o conteúdo das emissoras abertas. No entanto, caso a empresa alegue inviabilidade técnica ou econômica, caberia à Anatel retirar a obrigatoriedade de transmissão desses canais, devendo permanecer ao menos uma emissora religiosa.

João Brant qualifica como “despropósito” a proposta. “Não é proibir os canais religiosos, porque seria negar uma parte da cultura brasileira, mas privilegiar espaço para canais religiosos em um país laico é algo bastante complicado, até porque sabemos que não são canais que transmitem todas as religiões”, pondera.

Histórico

Apresentado pelo deputado federal Paulo Bornhausen (DEM-SC), o Projeto de Lei 29 de 2007 sofreu idas e vindas pelos corredores da Câmara. Alvo de disputa entre as teles e as empresas de TV a cabo, ganhou emendas até chegar a esta versão que permite a entrada de novos atores no mercado de televisão por assinatura.

Ainda que possa aumentar a concorrência de um nicho extremamente concentrado, o texto monta um cenário que não era o desejado pelos grupos que lutam por democratização da comunicação, já que as novas concorrentes são corporações tão poderosas quanto as já atuantes – e que em suas esferas atuais também concentram clientes.

Por outro lado, há a criação de cotas para a produção nacional – um a cada três canais de filmes, documentários, séries, novelas ou programas de variedades. Entre as emissoras nacionais, pelo menos duas devem veicular no mínimo 12 horas diárias de conteúdo de produtora brasileira independente, ou seja, sem qualquer ligação com empresas de programação ou distribuição de conteúdo. No geral, cada canal da TV paga deve transmitir, em horário nobre, três horas e meia semanais de conteúdo nacional, sendo que a metade se destina a produtores independentes.

João Brant entende que essa medida, ainda que mais tímida que o desejável, representa um avanço importante. “O Brasil tem um mercado audiovisual que produz, mas que não tem onde veicular esse material. É mais fácil vender para Europa e Canadá do que veicular na TV a cabo daqui. Não dá para ter porteiro para controlar quem entra e quem não entra nos canais por assinatura”, afirma. Atualmente, as principais empresas prestadoras de serviço na área controlam distribuição, canais e programação.

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