Venezuela comemora rebelião popular que desencadeou mudanças no país

Conhecido como Caracazo ou Sacudón, protestos tomaram as ruas da capital venezuelana em 1989 e abriram caminho para surgimento de Hugo Chávez, que será lembrado em manifestações de hoje

Estima-se que 300 pessoas foram mortas pela polícia durante o Caracazo, mas número mais exato deve ser revelado pela Comissão da Verdade (Foto: AVN)

São Paulo – Com apoio do chavismo, parte da população venezuelana comemora hoje (27) os 24 anos da rebelião popular conhecida como Caracazo ou Sacudón, que em 1989 levou às ruas da capital milhares de pessoas insatisfeitas com a situação do país – e também com o regime bipartidarista que então completava 30 anos no comando da Venezuela.

Graças a um pacote recomendado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e adotado pelo presidente Carlos Andrés Pérez, a economia da Venezuela sofreu na época uma retração de 8%, ostentando uma taxa de inflação de 84%. A pobreza englobava 82% dos venezuelanos, dos quais 30% amargavam a miséria. Nas ruas de Caracas, atualmente, é comum ouvir pessoas dizendo que naqueles anos havia gente comendo ração de cachorro para não morrer de fome.

O governo do vice-presidente Nicolás Maduro preparou marchas simultâneas pela cidade para lembrar as vítimas da repressão policial, cujo número preciso permanece desconhecido até agora – estimativas contabilizam ao menos 300 assassinados. Por isso, aproveitando a efeméride, que coincide com o dia dos direitos humanos no país, a Assembleia Nacional, de maioria chavista, vai nomear uma Comissão da Verdade para apurar as violações aos direitos humanos perpetradas pelo Estado contra os venezuelanos que saíram a protestar durante o Caracazo. O grupo estará formado por 19 membros, entre familiares de mortos e desaparecidos e funcionários públicos.

Ditadura

O colegiado também investigará os crimes cometidos pelos governos do chamado puntofijismo ou Quarta República, que dominaram a política venezuelana por 40 anos, desde a queda do ditador Marcos Andrés Pérez, em 1958, até a ascensão eleitoral de Hugo Chávez, em 1998. O período costuma ser tratado como a mais longa experiência democrática da América do Sul, uma vez que, à diferença dos demais países da região, a Venezuela não sofreu golpes militares na segunda metade do século 20.

No entanto, organizações e partidos de esquerda – além da própria institucionalidade chavista – classificam o puntofijismo como uma ditadura disfarçada que, com fachada democrática, perseguiu, torturou e matou seus opositores. Daí a instauração de uma Comissão da Verdade para “saldar essa dívida histórica”, como define a deputada Marelis Pérez, do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).

As marchas em comemoração ao Carazo deverão se traduzir na terceira grande demonstração popular de apoio ao governo do presidente Hugo Chávez. A primeira delas ocorreu no dia 10 de janeiro, data em que o presidente deveria ter tomado posse de seu novo mandato, mas não pôde, devido à operação que realizou em Havana, Cuba, contra um câncer na pélvis. A segunda teve lugar no dia 4 de fevereiro, quando se festeja a tentativa de golpe de Estado empreendida por Chávez em 1992, três anos após o Caracazo, e que acabou fracassando.

Oposição

Apesar de ter regressado à Venezuela, como anunciou pelo Twitter, as informações sobre a saúde do presidente continuam escassas. Na expectativa de uma renúncia, a oposição começou a movimentar-se com o objetivo de definir um candidato à presidência que esteja preparado para entrar em campanha assim que o governo anunciar que Hugo Chávez não poderá seguir no poder.

Com isso, os partidos que integram a Mesa de Unidade Democrática (MUD) não querem ser pegos de calças curtas pelo chavismo, uma vez que seu sucessor, Nicolás Maduro, vice-presidente da Venezuela, tem sido presença constante na televisão e eventos oficiais. No caso de morte ou impossibilidade de que Chávez continue governando, a Assembleia Nacional tem 30 dias para convocar novas eleições.

O candidato natural da MUD para enfrentar o chavismo nas urnas é o governador do estado de Miranda, Henrique Capriles, do partido Primeiro Justiça. Capriles enfrentou Hugo Chávez nas últimas eleições, realizadas em 7 de outubro, e perdeu por uma margem de 10% dos votos. Logo em seguida, seria reeleito como governador de Miranda, vencendo um dos nomes mais fortes do chavismo, Elías Jaua, ex-vice-presidente da Venezuela e atual ministro de Relações Exteriores.

No entanto, o prefeito da região metropolitana de Caracas, Antonio Ledezma, tem manifestado interesse em liderar a MUD na cruzada eleitoral contra Nicolás Maduro. Por enquanto, o único pleito que está oficialmente convocado no país para 2013 ocorrerá em 14 de julho, para eleger novos prefeitos e vereadores. É a chance da oposição ampliar seus poderes, uma vez que, depois de perder a presdiência, no ano passado, perdeu as eleições em 20 dos 23 estados da Venezuela.