Venezuelanos variam opiniões sobre futuro do país sem Chávez

Entre apoiadores, opositores e críticos, há os que se declaram confiantes, apreensivos ou temerosos sobre o que poderá ocorrer no país sem o líder bolivariano

Venezuelanos aguardam retorno de Hugo Chávez, mas se preparam para seguir a vida em caso de ausência definitiva do líder (©Gil Montano/Reuters)

Caracas – Hoje (11) faz exatamente dois meses que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi operado pela quarta vez de um tumor na região pélvica. O procedimento cirúrgico, assim como todo o tratamento desde que descobriu a doença, foi realizado em Havana, Cuba, onde o líder da revolução bolivariana permanece internado desde 11 de dezembro. Até agora, nem o governo da ilha nem o de Caracas divulgou qualquer “sinal de vida” de Chávez. O único – e pouco – que se sabe sobre o presidente é que está vivo e melhorando, como costumam dizer alguns ministros que o visitam e o vice-presidente do país, Nicolás Maduro.

Apesar da ausência física do comandante, porém, o poder público não tem deixado de trabalhar. Na última sexta-feira (8), antes do carnaval, o ministro de Planejamento e Finanças, Jorge Giordani, anunciou uma desvalorização de 46% na moeda venezuelana, o bolívar, frente ao dólar. Ao contrário do que acontece no Brasil, a taxa de câmbio na Venezuela é controlada pelo governo desde 2003, quando ataques especulativos provocaram instabilidades financeiras. O país baseia sua economia na exportação de petróleo e importa aproximadamente 85% do alimento que consome, além de outros produtos.

De acordo com as autoridades, a medida foi respaldada pelo presidente Hugo Chávez, que teria assinado um ofício ordenando a desvalorização de 4,30 para 6,30 bolívares por dólar. O novo câmbio passa a valer na quarta-feira (13). A assinatura do presidente em documentos apresentados por membros do governo tem sido a única – porém fraca – evidência de que Chávez continua vivo, consciente e trabalhando em prol do povo venezuelano.

No entanto, nas periferias de Caracas, o comandante continua vivíssimo em muros e cartazes. Contudo, nos jornais e na televisão, a cada dia que passa, sua “invisibilidade” é mais e mais criticada. Entre apoios incondicionais e oposição ferrenha, fica a incerteza sobre o que acontecerá com o chavismo – e a Venezuela – caso Hugo Chávez não volte ao cenário político.

Profeta

“Jesus Cristo também morreu, mas deixou seus ensinamentos”, compara, sem receio de exageros, Aniluz Serrano, membro do Colectivo Socialista La Esquina Caliente, um grupo que há 14 anos se instalou numa esquina da Praça Bolívar, no centro de Caracas, para defender a revolução. É uma barraquinha vermelha que funciona de segunda a sexta-feira, das 10 às 20 horas, e aos sábados até às 16 horas, e fica passando vídeos “chavistas” pra quem quiser sentar e assitir. “Chávez também vai morrer, senão agora, um dia vai morrer, mas jamais esqueceremos o que ele nos ensinou.”

Com variações, esse mote é repetido entre os setores populares nos quais Chávez descansa seu respaldo político e eleitoral. “Se Chávez morrer, não tem problema: eu sou Chávez, ela é Chávez, todos somos Chávez”, argumenta Gustavo Rodríguez, membro da Coordinadora Simón Bolívar, um dos muitos grupos políticos revolucionários instalados na favela El 23 de Enero, oeste da capital. “A revolução não tem volta.”

A confiança de Rodíguez no processo bolivariano – e na capacidade das massas venezuelanas em defendê-lo – é tamanha que ele descarta qualquer possibilidade de que a oposição vença as eleições, estando Chávez vivo ou morto. “Eles estão tão desconectados da vida do povo que certamente não poderão vencer-nos nas urnas pelos próximos 25 anos”, prevê. “Hoje a população tem muito mais consciência de seus verdadeiros problemas. Para os que viveram antes e depois de Chávez, está claríssimo o que é melhor. Não existe a menor dúvida.”

Enquanto eu caminhava com Gustavo Rodríguez pelo 23 de Enero, uma mulher conhecida veio nos cumprimentar. “Você não acredita, Gustavo”, começou. “Ontem minha filha me ligou desesperada, chorando, perguntando se era verdade que Chávez tinha morrido.” A moça em questão vive nos Estados Unidos e jurava que a televisão estava noticiando o falecimento do presidente. “É assim, a imprensa manipuladora vive matando o comandante”, alfinetou Rodríguez.

O coletivo Esquina Caliente funciona diariamente na Praça Bolívar, centro de Caracas, há 14 anos para defender a revolução (Foto: Tadeu Breda/RBA)

Herança

Mas essa confiança tem limites. “Não sei o que será da Venezuela nem do processo bolivariano sem Chávez”, confessa Nadia Jiménez, chavista convicta que trabalha junto aos médicos cubanos no bairro El 23 de Enero. “Chávez é do povo e o povo ama Chávez. Essas pessoas que aparecem chorando na televisão, não é mentira. Já vi isso acontecer na minha frente, com gente que conheço.” Caso o presidente não volte mais, Nadia afirma que seguirá as instruções deixadas por ele antes de partir para sua última operação em Cuba: votar no vice-presidente Nicolás Maduro nas próximas eleições. “É o que faremos, pois foram as diretrizes do nosso comandante.”

No entanto, a imensa liderança que a figura de Hugo Chávez exerce sobre os venezuelanos não tem paralelo em outros quadros destacados do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), sigla que representa o chavismo na arena eleitoral. Nem mesmo Maduro – que “herdou” o protagonismo das mãos do próprio mandatário – possui a mesma influência. Daí que algumas vozes se digam temerosas do que poderá acontecer na Venezuela daqui pra frente.

De acordo com um importante líder sindical venezuelano, tempos difíceis virão. “Quando Chávez está conduzindo o Estado, há como uma obediência completa, uma única linha de comando – e nela descansa a estabilidade do país”, analisa. “Sem Chávez, há pedaços de poder distribuídos pelas forças armadas, Congresso e empresas públicas, são linhas de comando repartidas entre os líderes do PSUV.”

O sindicalista, que preferiu não se identificar para “não parecer antichavista, porque não sou”, acredita que, neste momento, os diversos setores do chavismo estão disputando para ver quem demonstra maior lealdade ao líder – e, assim, puxar para si a legitimidade popular do presidente.

As cabeças visíveis da disputa, segundo alardeiam os meios de comunicação, são Nicolás Maduro, ex-motorista de ônibus, e o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, oriundo do exército. Ambos têm se esforçado para demonstrar unidade e aparecem juntos, abraçados, constantemente. “Eles terão uma atitude enquanto Chávez estiver vivo e outra, quando não estiver. Qualquer demonstração de deslealdade, agora, será castigada pela perda de apoio nas bases chavistas”, resume o sindicalista.

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