Tribunal de Haia define nesta 3ª disputa entre Uruguai e Argentina

Fábrica de celulose de origem finlandesa Botnia, instalada do lado uruguaio é o centro da principal tensão entre os países vizinhos. Decisão não deve resolver totalmente o impasse

Pepe Mujica, presidente do Uruguai, com Cristina Kirchner, mandatária da Argentina, em reunião na semana passada. Definição de Haia exige acordos posteriores (Foto: Casa Rosada Divulgação)

Buenos Aires – O Tribunal Internacional de Haia, na Holanda, emite nesta terça-feira (20) seu veredicto a respeito da fábrica de papel e celulose Botnia, localizada na cidade de Fray Bentos, no Uruguai. Caberá à mais respeitada corte de jurisdição supranacional definir se a colocação da fábrica viola o Tratado do Rio Uruguai, firmado entre os dois países platinos e que prevê restrições a atividades potencialmente poluidoras nas proximidades deste rio.

Mesmo que a corte decida que o Uruguai se equivocou ao autorizar a construção de Botnia, pode ser que o país não seja obrigado a fazer a remoção da planta. Nesse caso, o tema se arrastará por novas reuniões bilaterais e é pouco provável que seja feita a retirada da unidade, em decorrência da importância para a economia uruguaia, apesar das denúncias de danos ambientais provocados.

Vizinha a Fray Bentos, a cidade de Gualeguaychu, do lado argentino da fronteira, decidiu há mais de três anos obstruir a ponte entre os dois países. A via segue fechada, mas a manutenção dessa condição depende do que for decido em Haia. Depois de tanto tempo, há dissidências ao movimento no município de 90 mil habitantes e muitos comerciantes se queixam das perdas que vêm sofrendo ao longo destes anos – Gualeguaychu é uma cidade bastante procurada no verão por conta do rio e, no carnaval, é um dos principais destinos de turistas na Argentina.

(Foto: Pablo D. Flores/Wikipedia)

Por outro lado, continuam recaindo sobre Botnia acusações de problemas ambientais. Os moradores de Gualeguaychu reclamam da poluição causada ao rio e ao ar, com muitos dias de formação de uma espessa névoa que cobre a cidade. Além disso, as plantações do eucalipto demandado pela fábrica têm seus próprios efeitos, como esgotamento do solo, secagem de fontes de água e intoxicações provocadas por agrotóxicos (leia mais sobre caso).

“Não vejo como impossível uma realocação”, afirma José Pouler, de Gualeguaychu, da Assembleia Cidadã Ambiental, ao diário Página12. “Nós movemos cidades para fazer represas. Eles, em dois anos, terão amortizado o investimento, porque a pasta de celulose está a US$ 930, e Botnia produz mais de um milhão de toneladas por ano. Se investiram, como dizem, 1,8 bilhão de pesos, estão perto de recuperar o que puseram. E podem ir”, completou Pouler.

(Foto: Kremtak/Wikipedia)

Entre governos

A questão mais delicada a respeito de Botnia se dá entre governos. O projeto, que atravessou diferentes gestões ao longo desta década, é fonte de uma tensão entre Uruguai e Argentina. O impasse motivou, na semana passada, uma visita surpresa do presidente Pepe Mujica a Cristina Kirchner. O encontro reforçou a impressão de que os países caminham para um acordo que pode ser igualmente polêmico.

A Argentina reforçou que considera suficiente que a Corte de Haia manifeste que o Uruguai errou quando decidiu unilateralmente pela instalação de Botnia. A conselheira geral do Ministério de Relações Exteriores, Susana Ruiz Cerutti, informou ao Página12 que, neste caso, a interpretação seria de que a soberania argentina foi violada e é necessário voltar a debater o tema bilateralmente.

“A questão é que o Uruguai – e tampouco a Argentina – não pode decidir por si mesmo, sem consulta, sem informação prévia e sem intervenção da Comissão para o Rio Uruguai a respeito de um empreendimento dessa natureza. O Uruguai não pode ser juiz (para definir) se esse empreendimento está correto ou não; ele deve consultar seu vizinho”, conclui.

Se o governo da Argentina sente-se satisfeito com a declaração de que o Uruguai errou, entre a população vai seguir o debate, que a esta altura já vai um tanto desgastado pelos anos, com alguns setores defendendo e outros criticando a possibilidade de solução negociada.