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Como os social-democratas podem voltar ao poder na Alemanha

Vencedor das eleições, SPD segue negociando com verdes e liberais, após um resultado que evidenciou a desunião do bloco conservador germânico

Pixabay
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O candidato a primeiro-ministro Olaf Scholz afirmou que eleitores deixaram uma "mensagem" aos conservadores para irem à oposição. Mas eles irão de fato?

São Paulo – Após as eleições realizadas em 26 de setembro, os partidos seguem negociando possibilidades de coalizão para formar o próximo governo na Alemanha. O mais provável é que se forme uma composição entre três legendas, lideradas por Olaf Scholz e seu Partido Social Democrata (SPD), vencedor do pleito realizado no domingo, unindo o Partido Verde e o Democrático Liberal (FDP). Outra opção seria uma composição também tripartite liderada por Armin Laschet e o bloco conservador formado por União Democrata-Cristã (CDU) e a União Social-Cristã (CSU), da chanceler Angela Merkel. Uma repetição da chamada “grande coalizão” entre social-democratas e conservadores, repetindo o cenário de três das últimas quatro eleições, é improvável.

Não foram poucas as novidades do último pleito, que apontam para uma mudança de rumo na política germânica. O SPD triunfou com 25,7% dos votos, um aumento de 5,2% em relação a 2017, seguido pelo CDU/CSU, que obteve 24,1%, uma queda de 8,9 pontos em relação às últimas eleições e com o pior resultado de sua história. Já o Partido Verde conseguiu o melhor resultado de sua trajetória, 14,8%, um aumento de 5,8 pontos em relação a 2017, e os liberais ficaram em quarto lugar, com 11,5%, 0,7 ponto a mais do que há quatro anos.

Popularidade de Merkel não salvou o CDU

Angela Merkel se encaminha para sair do poder após 16 anos como primeira-ministra e uma popularidade ainda em alta, por volta de 80% segundo as pesquisas. Mas isso não foi suficiente para que o CDU/CSU saísse vitorioso nas eleições. Não era o que se esperava no início do ano, quando Armin Laschet, governador do estado mais populoso do país, a Renânia do Norte-Vestfália, foi escolhido como líder e candidato a sucessor. As sondagens mostravam uma vantagem confortável dos democratas-cristãos para permanecer no poder, mas o cenário foi mudando nos meses seguintes.

A situação chegou a um ponto em que a primeira-ministra, que pretendia não participar publicamente da sua sucessão, tivesse que sair a campo. “Merkel não faria campanha nenhuma nesta eleição, mas quando ficou claro que o CDU estava com problemas, ela começou a fazer aparições de campanha. Isso pode ter ajudado a evitar perdas ainda maiores para o CDU. O partido foi prejudicado por um candidato ineficaz que não conseguiu reunir o apoio interno de que Merkel desfrutava”, aponta, em entrevista à RBA, o diretor do Centro de Estudos Alemães e professor associado de Estudos Alemães na Universidade de Waterloo, James M. Skidmore.

Diante do quadro, surgiu o questionamento a respeito de uma possível dependência da legenda em relação ao nome da chanceler. Mas a resposta para o mau desempenho eleitoral pode estar no processo de escolha do bloco conservador. “Não era tanto da imagem de Merkel que o CDU dependia. O partido deu por certa a confiança que Merkel conquistou junto ao eleitorado. Certa ou errada, ela tinha a reputação de tomar boas decisões, mesmo entre alguns eleitores do SPD. O CDU desperdiçou essa reputação com sua má gestão para encontrar um substituto”, assinala o professor de História Internacional da Universidade Flinders, Matt Fitzpatrick, à RBA.

O professor lembra que o primeiro postulante do CDU/CSU, Annegret Kramp-Karrenbauer, foi desacreditado quando comandou o partido na busca por uma aliança com a extrema direita, a AfD, para formar o governo que comandaria a Turíngia, tendo que renunciar. “Então, os apparatchiks do partido escolheram o muito impopular Armin Laschet em vez do bávaro Markus Söder. Ao mesmo tempo, a ala direitista do partido não desistiu da figura mais dura de direita de Friedrich Merz. Essa desunião custou caro. Se você não pode governar seu próprio partido, muitos não vão querer que você governe o país.”

Caminho aberto para o SPD

Para tentar voltar ao poder e deixar de ser o “irmão menor” na chamada grande coalizão germânica, o SPD investiu na figura de Olaf Scholz, quase onipresente no material de campanha da legenda. Apresentado como um estadista, foi considerado o vencedor dos três debates realizados durante a campanha.

“Enquanto Laschet e (Annalena) Baerbock, os líderes do CDU e do Partido Verde, tropeçavam durante a eleição, Olaf Scholz foi redescoberto pelo eleitorado. Normalmente, seu estilo nada empolgante teria sido uma desvantagem, mas à medida que os eleitores examinavam suas opções, ele se tornou a única alternativa estável e confiável”, pontua James Skidmore. “Quatro anos atrás, muitos pensavam que o SPD estava em uma trajetória rumo a se tornar um partido menor, mas esta eleição o ressuscitou. No mínimo, isso nos diz como as campanhas eleitorais podem ser importantes para forçar os eleitores a tomarem decisões reais sobre quem ou o que eles querem apoiar.”

Diferentemente do que aconteceu com o CDU, a coesão interna favoreceu os social-democratas. “O partido estava excepcionalmente unido e tinha uma plataforma política clara. Teve um candidato a chanceler popular, experiente e fez uma boa campanha. Mas também foi uma sorte que o CDU/CSU tenha escolhido Armin Laschet como candidato a chanceler, que então travou uma campanha desastrosa. Muito da força do SPD se deve à fraqueza de seu principal oponente”, ressalta o co-diretor do Aston Centre for Europe e presidente interino da Associação Internacional para o Estudo da Política Alemã Ed Turner à RBA.

Mesmo com a vitória, no entanto, os social-democratas ainda não garantiram seu retorno ao poder, e as negociações para a formação de um novo governo devem demorar meses em um cenário político mais fragmentado em que duas legendas, representadas pelos verdes e pelos liberais, serão fundamentais e têm praticamente a chave na mão. Confira mais deste imbróglio em Quadro político fragmentado embaralha sucessão alemã.