Para analista, Brasil demora a ver cerco militar dos EUA

Atílio Borón afirma que Itamaraty está à espera de desfile militar na Avenida Atlântica para perceber que está rodeado por bases

Os presidentes da Unasul, que na sexta-feira (28) estarão reunidos em Bariloche para debater as bases dos EUA na Colômbia (Foto: Ricardo Stuckert. Presidência)

Autor de inúmeros livros e reconhecido cientista político argentino, Atílio Borón está irritado com o Brasil. Antes que o ardor futebolístico prejudique a leitura desta entrevista, deve-se dizer que o professor do Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais não está nervoso com o atual momento brasileiro, de crescimento. O aborrecimento deve-se, antes, ao que ele chama de ambivalência da política externa brasileira, que está com “o olhar baixo”.

Sobre as bases dos Estados Unidos na Colômbia, Borón indaga: “querem um desfile militar das tropas dos Estados Unidos na Avenida Atlântica para que percebam que estão rodeados?”. O cientista político não tem dúvidas de que o Brasil é o principal alvo das novas bases que, somadas às já instaladas no Paraguai, deixam o país rodeado.

Na primeira parte da entrevista à Rede Brasil Atual, ele fala sobre seu novo livro, “Crisis civilizatoria y agonía del capitalismo”, sem previsão de lançamento em português. A obra narra a conversa mantida com Fidel Castro neste ano e ensaios sobre a crise atual. A respeito do ex-presidente cubano, o professor é taxativo: “no século XX, em todo o mundo, não houve mais que dez com essa enorme presença que tem Fidel”.

RBA – que tipo de papel o Brasil deve desempenhar dentro do subcontinente? Há receio de que chegue a políticas subimperialistas?

Creio que o Brasil tem de cumprir um papel mais ativo na política internacional. O país está com um olhar excessivamente para baixo que deve dar lugar a uma visão de um Brasil muito mais comprometido com essa política de mudança da América Latina.

E evidentemente a preocupação para o ressurgimento de tendências subimperialistas, não vou negar, é muito séria. Vimos com muita preocupação que governos de Morales e de Correa, quando tiveram algum problema com empresas brasileiras do setor privado, a reação primeira do governo foi de sair a defender suas empresas, ainda quando estavam atuando de maneira ilegal ou deixando de cumprir seus compromissos contratuais. É algo que preocupa muito.

Há duas tendências dentro da chancelaria brasileira. Uma que aponta mais a essa visão anacrônica de um Brasil fechado em si mesmo, pensando-se como uma grande subpotência imperial, e outra, que sei que há gente que tem, que é de um irmão maior que se põe à cabeça de um processo de emancipação continental. E é isso que todos estamos esperando, tem mais responsabilidades que os outros.

Na sua avaliação, a política externa do governo Lula é negativa nesse sentido.

O Brasil tem demonstrado ser ambivalente e não tem adotado as medidas que deveria adotar. Dou um exemplo. A chancelaria dormiu em momentos em que o Paraguai, um país muito pobre, não teve mais remédio que conceder aos Estados Unidos o uso da base Mariscal Estigarríbia. E essas duas bases que os Estados Unidos têm no Paraguai estão pensadas contra o Brasil.

O Itamaraty está ainda com essa coisa de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, que é um pouco uma cenoura que põem diante do cavalo para que avance. E atrás está o bastão, que são as bases militares dos Estados Unidos.

O Brasil, desde o âmbito da Unasul (União de Nações Sul-americanas), deve lançar uma política muito, muito forte contra as bases. Não pode aceitar sete bases estadunidenses na Colômbia porque elas estão voltadas contra duas coisas: Venezuela e Brasil. E se os estrategas brasileiros não veem isso, que se dediquem a vender bijuteria na praia de Copacabana. O objetivo é desestabilizar Chávez e estar posicionado para a ocupação tecnológica da Amazônia brasileira.

Quando você olha as bases da Colômbia, as bases do Paraguai e a 4ª Frota, percebe que o Brasil praticamente está rodeado. Que esperam para se dar conta? Querem um desfile militar das tropas dos Estados Unidos na Avenida Atlântica para que percebam que estão rodeados? Há uma atitude muito pouco consistente do governo brasileiro, que deveria ter cartas muito mais fortes. É preciso deixar de lado essa política ambígua.

Falemos de seu livro. Como foi a experiência com Fidel Castro?

Absolutamente extraordinária. Há muitos anos conheço ele, mas comecei a ter uma conversação mais permanente em 2001, 2002. Antes, quando o via, eram sempre grupos grandes. Sempre tive boa sensação, desde a primeira vez que o escutei, no Chile em 1971, quando Fidel foi fazer uma viagem pelo país de Salvador Allende. Bom, o que já havia lido então era que Fidel é um personagem de uma estatura absolutamente descomunal. Uma figura histórico-universal, não há muitos como ele. No século XX, em todo o mundo, não houve mais que dez com essa enorme presença que tem Fidel.

Em março, eu apresentei um trabalho sobre a crise do capitalismo que o comandante gostou muito e ele mandou me chamar um dia antes que eu fosse embora. Foi uma enorme surpresa porque ele não havia recebido quase ninguém – havia estado com Lula, Cristina, Evo Morales, não mais. Fui vê-lo com uma mescla de medo e de ansiedade.

Por que medo?

Temia encontrar um homem velho, destruído pela passagem do tempo, mas encontrei um Fidel com uma cabeça absolutamente clara, limpa, seguindo absolutamente tudo o que estava ocorrendo na economia mundial, muito alerta e bem recuperado fisicamente.

Quando nos despedimos, demos um abraço muito forte e pude sentir um homem firme. Estava com roupas de exercício físico – ele está fazendo um trabalho muito forte de recuperação.

E mostrou grande preocupação com o impacto da crise global na América Latina. Fidel pensa que essa crise pode provocar a reversão dos avanços políticos que tivemos na região nos últimos dez anos e que é preciso estar atento para defender os governos liberais como de Venezuela, Bolívia e Equador, que estão na vanguarda desse processo de transformações.

Cuba já tem uma transição de poder que vai além de Fidel?

Ainda é um caso que não está resolvido. Havia em princípio uma necessidade de solução para este problema de geração. Agora, com os acontecimentos em março deste ano, que provocaram a destituição de Carlos Lage e de Felipe Pérez Roque, abre-se um hiato um pouco mais preocupante. O que aconteceu com eles foi uma pena muito grande. Não houve corrupção nem nada parecido, mas aparentemente uma fraqueza que os levou a serem vítimas de suas ambições. Caíram nas mãos dos serviços de inteligência do inimigo.

Mas há muita gente para fazer a substituição. Se há algo que Cuba conseguiu fazer foi educar muita gente, gente que acredita na revolução, que está disposta a trabalhar pela revolução. Estou convencido de que vão resolver a crise da sucessão quando já não estiverem nem Fidel nem Raúl. É algo que os cubanos vêm trabalhando há muito tempo para que, quando chegue o momento oportuno, exista uma transição que permita manter o modelo de socialismo.

O grande êxito de Cuba é uma reforma no modelo de socialismo. Não foi como no Vietnã ou na China, que de alguma maneira se abriram as portas para o capitalismo. Cuba tem o desafio de fazer a reforma dentro do socialismo avançando na construção de um novo modelo, porque o velho, aplicado na vivência soviética, está superado.

O golpe de Honduras já leva um bom tempo. Há ainda esperança de que Manuel Zelaya regresse ao poder?

É muito difícil. Cada dia que passa é um triunfo para os golpistas. Barack Obama é um homem que tem muito pouco poder para mudar essas coisas. É o que disse desde o primeiro de meus artigos. Está na Casa Branca, mas não tem força suficiente para parar seus próprios militares, para parar a CIA e para fazer com que o Departamento de Estado funcione a uma lógica similar à que ele quer impor. Fidel me disse isso com toda clareza: Obama não se dá conta de que é o chefe do Império e, portanto, as forças do Império não vão permitir que ele faça algo que não condiga com os objetivos fundamentais do país. Obama diz uma coisa sobre Honduras e Hillary Clinton vem no outro dia e fala o contrário.

E qual é o papel do Brasil?

O Brasil tem de pressionar, aglutinando a vontade de seus aliados. Para aglutinar essas vontades devem ser feitas concessões econômicas. A política que o Brasil segue para o Paraguai é absurda. Obriga que o Paraguai tenha de esperar até 2023 para conseguir uma renegociação genuína do acordo de Itaipu, feito por duas ditaduras que são uma vergonha para a história dos dois países.

Não vejo atitude de generosidade e de desprendimento por parte do governo do Brasil, o que debilita muito sua liderança. Isso nos coloca numa situação em que há uma fraqueza da liderança alternativa sul-americana porque Hugo Chávez sozinho não pode. Ele necessita uma resposta entusiasta do Brasil, algo que até agora não obteve.

Aos poucos, o Brasil está sendo cercado por bases militares e amanhã vamos ver se é certo que essas bases têm como objetivo perseguir os narcotraficantes. Isso é um conto de criancinhas que ninguém pode crer. É um país tão maravilhoso, com tanta força, mas que tem uma liderança ambígua, vacilante, como se fosse um “paizinho”. O Brasil não é Honduras, não precisa suplicar a Obama: “senhor, por favor, com licença”. Não, nada disso: “que tire as bases daqui, senhor”.