Ministros defendem política social para aprofundar democracia

Limites da democracia na América Latina foram tema de encontro no Rio de Janeiro que reúne ministros do Brasil, Bolívia, Argentina e Paraguai

Os países da América Latina atravessam um inédito momento de transformação política e social, mas o caminho para o aprofundamento e aperfeiçoamento de suas democracias ainda é longo. O diagnóstico traçado no primeiro dia de debates do Seminário Internacional Democracias em Mudança na América Latina, que começou nesta quinta-feira (17) no Rio de Janeiro. 

Para ser trilhado, esse caminho exige uma colaboração crescente entre os governos, sobretudo os progressistas, para banir males sociais que prejudicam a consolidação democrática no continente, como a fome, o analfabetismo, a discriminação das minorias e a violência policial, entre outros.

Organizado pelo Ministério da Justiça e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o seminário reúne, entre outras autoridades, o ministro brasileiro Tarso Genro e seus pares Júlio César Alak (ministro da Justiça da Argentina), Alfredo Rada (ministro de Governo da Bolívia) e Rafael Filizzola (ministro do Interior do Paraguai).

O segundo e último dia de debates no Seminário Internacional Democracias em Mudança na América Latina acontece nesta sexta-feira (18), com a participação dos ministros de Bolívia, Paraguai e Argentina. As mais recentes tentativas de desestabilizar os regimes democráticos no continente serão objeto de análise, com destaque para o caso boliviano. O ministro brasileiro Tarso Genro informou que os participantes do seminário deverão aprovar uma declaração oficial durante plenária de encerramento do evento.

Democracia pela conciliação

“As transições para a democracia nos países latino-americanos – e sul-americanos em particular – foram lentas, dolorosas e difíceis”, afirmou Tarso Genro. “Foram lentas porque se deram através de um processo de conciliação com as elites políticas”, ressaltou.

Para ele, no entanto, “esse processo de conciliação trouxe uma vantagem importante, que foi não permitir que irmãos de uma mesma nação se enfrentassem pelas armas”.

Por outro lado, o processo histórico de conciliação iniciado após o período das ditaduras militares, segundo o ministro, também determinou alguns “limites” para o avanço da democracia no continente: “Esses limites foram se inscrevendo e se diluindo na cultura política e nas práticas políticas e não aprofundaram a transição democrática de uma maneira rápida e eficiente”, disse.

Tarso citou o Brasil como exemplo dos “muitos países que estão percorrendo esse caminho de maneira pacífica e ordenada”, mas lembrou que muito ainda resta a realizar. “Restaram dívidas não somente sociais, mas dívidas jurídicas, penais e culturais para a formação de um espírito nacional compacto. Por isso, os governos devem impulsionar essa transição e qualificá-la no sentido da democracia e da fundação de valores de uma nova ordem democrática que só pode existir através de um processo de inclusão social, educacional e cultural em todo o sistema de direito originário do Estado”, disse o ministro.

Combate à fome

Figura mais festejada do seminário, o bispo emérito da Diocese de Duque de Caxias (RJ), Dom Mauro Morelli, afirmou que não haverá democracia plena na América Latina enquanto persistirem a fome, a tortura e o analfabetismo, entre outras mazelas sociais.

“Nessas situações, como dizia João Paulo II, encontramos o ser humano aviltado, explorado, esmagado e humilhado. Se olharmos dentro desses porões de iniquidade que são nossas prisões, vamos encontrar duas matrizes, que são o analfabetismo e a fome na primeira infância”, disse.

Dom Morelli é integrante do Comitê de Nutrição da ONU e foi liberado pelo Vaticano para se dedicar a projetos de combate à fome. Ele afirmou que alimento não é só comida: “A água é um alimento humano, assim como o oxigênio e a luz. Leite materno também é alimento, assim como a comida saudável”, afirmou o bispo.
“Falar da democracia hoje é pensar em um mundo sustentável”, disse. “O Brasil ainda utiliza doze agrotóxicos proibidos pela comunidade internacional”, lamentou.

As mudanças em curso nas democracias latino-americanas vivem o confronto entre direitos humanos e desenvolvimento econômico. “Na busca de uma sociedade mais democrática, devemos deixar o PIB de lado e procurar a FIB, que é a Felicidade Interna Bruta”, ironizou.

Dom Morelli criticou a persistente injustiça social. “No Mato Grosso, por exemplo, temos dois milhões de seres humanos, 20 milhões de cabeças de gado, milhares de indígenas morrendo de fome e não sei quantas pessoas vivendo de cestas-básicas ou do Bolsa-Família”, disparou.

Lacunas éticas

Assessor especial da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Ivair Augusto dos Santos citou como “lacunas éticas” da democracia latino-americana a criminalização dos movimentos sociais e a violência contra minorias sociais por questões raciais, étnicas, religiosas ou de opção sexual: “Falar que o preto, pobre e favelado é a maior vítima da violência e dos assassinatos virou uma espécie de mantra. Mas, e daí? Qual política você faz para combater a violência sistemática contra um grupo social? É necessário que se estabeleça um diálogo e que se traga para a discussão setores como os índios guaranis, as lésbicas, os travestis”, defendeu.

“Temos ainda uma grave limitação na nossa democracia no que tange ao tratamento da maioria da nossa população do ponto de vista da segurança pública”, criticou o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous. “Ainda prevalece em diversos setores da nossa sociedade uma consciência que leva à criminalização da pobreza. Hoje não se tortura mais por posicionamentos políticos ou ideológicos, mas se tortura e maltrata aqueles que estão lotando nossas penitenciárias e cadeias”, relatou.