México: narcotráfico impedirá realização de eleições livres em todo país

Guerra aos cartéis já deixou mais de 60 mexicanos mortos. O assassinato de inocentes causa repúdio na sociedade, mas violência não deve se resolver no próximo governo, dizem analistas

A guerra iniciada em Michoacán, no sudeste, espalhou-se pelo país. E cansou a população (Foto: La Tinta Azul. Flickr)

São Paulo – Alguns dias depois de assumir a presidência do México, em 2006, Felipe Calderón decidiu lançar um rigoroso plano de combate ao narcotráfico. Queria desmontar o poder dos cartéis por bem ou por mal, e com uma canetada enviou cinco mil soldados do exército para o estado de Michoacán, sudeste do país. Estava aberta a temporada de caça aos chefões da droga – e inaugurada aquela que, seis anos e 60 mil mortos depois, seria a marca indelével de seu governo para a história.

A estratégia de pescar os “peixes gordos” acabou fraturando as organizações criminosas e motivando disputas internas por território e poder. Corpos começaram a aparecer com cada vez mais frequência em valas comuns, carros abandonados ou simplesmente jogados por aí. Quando não, amanheciam pendurados em viadutos a modo de recado para os rivais.

A guerra extrapolou as fronteiras de Michoacán e passou a impactar profundamente toda a sociedade mexicana. Espraiou-se de norte a sul a onda de violência e crueldade desatada pelo cerco do governo, e nem mesmo a capital escapou de alguns acertos de contas e queimas de arquivo. Algumas regiões, porém, sofreram mais.

Ciudad Juárez, que faz fronteira com El Paso, no Texas, sustentou as maiores taxas de homicídio do mundo por três anos consecutivos. Subiu para o segundo lugar, em 2011, mas seus índices de assassinato ainda assustam: 148 para cada 100 mil habitantes. Graças à violência, 20% da população juarense – 230 mil pessoas – simplesmente deixou a cidade.

“A guerra ao narcotráfico foi o tema mais importante da agenda pública nacional nos últimos seis anos”, contextualiza a jornalista Anabel Hernández, autora do livro Los Señores del Narco, best-seller que explica com documentos e evidências como os grandes cartéis se relacionam com o Estado mexicano. “O crime certamente vai influenciar o resultados das eleições. Em alguns estados e cidades não haverá eleições livres e democráticas porque os chefões têm controle total.”

Repúdio social

O país vai às urnas no dia 1° de julho, e a herdeira política do presidente Felipe Calderón – Josefina Vázquez Mota, do Partido Ação Nacional (PAN) – amarga um esvaziado terceiro lugar. Para a jornalista, o fracasso da candidatura panista é sinal de que a população repudia a estratégia do governo para combater o narcotráfico. “A guerra não diminuiu o poder dos cartéis, nem a venda, nem o consumo de drogas: apenas aumentou a violência e a insegurança dos cidadãos”, compara. Anabel Hernández sublinha que os cultivos de maconha e papoula – matéria-prima do ópio – só fez aumentar no México. Hoje também se produz mais metanfetamina do que antes.

Entre 2006 e 2011, o governo conseguiu sustentar a versão de que todas as pessoas que acabaram morrendo na guerra – os tais efeitos colaterais – tinham alguma relação com os cartéis. Mas a situação começou a mudar quando o filho do poeta mexicano Javier Sicilia foi encontrado morto no porta-malas de um carro, com as mãos amarradas e sinais de tortura.

Ao contrário do que havia ocorrido com outras famílias de classe média – e até membros da elite – afetadas diretamente pela escalada de violência, Javier Sicilia conseguiu transformar seu luto em luta. Afinal, seu filho era apenas mais um. Como ele, tantos outros já tinham perecido e viriam a perecer simplesmente porque estavam no lugar errado na hora errada: de preferência, circulando em bairros periféricos à noite.

Com mais mexicanos morrendo dia após dia, e com o tráfico crescendo, Javier Sicilia conseguiu o apoio de outros pais e mães órfãos de filhos e filhas, além de amigos e parentes das vítimas da guerra. Em maio de 2011, o grupo fundou o Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade para pedir o fim imediato da militarização. Realizaram passeatas à Cidade do México e caravanas à fronteira com os Estados Unidos e Guatemala. Conseguiram ainda audiências com o presidente, mas nenhum compromisso concreto pelo fim da guerra.

“Não podemos avaliar a tática de Felipe Calderón como um ataque frontal ao crime organizado”, avalia John Ackerman, pesquisador do Centro de Investigações Jurídicas da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). “A falta de indicadores que demonstrem o enfraquecimento dos cartéis é prova de que o presidente não foi eficaz em sua arremetida contra o crime. Foram apenas estratégias midiáticas e militares que não atacaram as raízes do problema.”

Corrupção incrustada

Anabel Hernández concorda. “Não se pode iniciar uma guerra sem antes limpar as instituições”, diz a jornalista, lembrando o extenso histórico de corrupção dentro das forças policiais mexicanas – inclusive na Polícia Federal – e suas relações com o narcotráfico. “Antes de colocar o exército nas ruas seria preciso combater as plantações e os laboratórios e congelar as contas bancárias utilizadas pelos cartéis. Como podemos reduzir o poder dos chefões se os recursos ilícitos continuam fluindo pelo sistema financeiro?”

A complexidade do narcotráfico e seu grau de infiltração nas mais altas instituições da República reduzem as possibilidades de que o próximo presidente consiga solucionar o problema. Até porque dois dos três partidos com chances de vencer as eleições de domingo já declararam que não pretendem recolher os militares aos quartéis.

“O PAN e o PRI disseram repetidas vezes que vão manter a estratégia de Felipe Calderón”, observa Jaime Ortega, cientista político da Universidade Autônoma Metropolitana (UAM). “Por outro lado, Andrés Manuel López Obrador, do PRD, insiste que irá atacar o desemprego, a falta de oportunidade para os jovens e a corrupção policial. Mas é uma maneira muito lenta de enfrentar a violência, e os resultados não seriam colhidos sequer no médio prazo.”

Jaime Ortega não vislumbra uma melhora significativa da situação nos próximos seis anos. Mas o advogado e defensor dos direitos humanos Netzaí Sandoval acredita que sim existe uma possibilidade. “O governo pode diminuir os índices de assassinato se acolhe as observações das ONGs e da sociedade civil”, explica. “Já recomendamos a instalação de um registro imediato de detenções e a adoção de protocolos internacionais contra a tortura.” Netzaí avalia que este seria um bom começo para, ao menos, evitar as execuções extrajudiciais cometidas pelos agentes do Estado.