Indígenas da Colômbia contabilizam 64 mortes em 2009

Represente de organização indígena afirma à Rede Brasil Atual que etnias são expulsas de suas terras para implantação de megaprojetos

(Foto: divulgação Rider Paí. UNIPA)

Medellín – Os indígenas da Colômbia aguardam com expectativa um documento. A nova visita de James Anaya, relator especial das Nações Unidas para os direitos indígenas, ocorrida em julho, é a esperança de que a situação crítica em que se encontram seja denunciada internacionalmente. A passagem de cinco dias de Anaya dá seguimento ao trabalho iniciado em 2004, quando o Estado colombiano e os grupos armados foram advertidos de que deveriam respeitar os direitos humanos acima de tudo.

De lá para cá, pouca coisa mudou. Segundo cálculos da Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic), 64 integrantes de diversas etnias foram mortos desde o começo do ano, a maioria pela força pública.

Entrevista

Norando Chiritua

Conselheiro da Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic)

Em um país que não pode se esquecer da imensa violência das décadas de 1980 e 1990, indígenas sofrem como vários outros povos o problema do deslocamento forçado. Em entrevista à Rede Brasil Atual por telefone em Bogotá, Norando Chiritua, conselheiro da Onic para os direitos humanos, acusa que o deslocamento de indígenas tem como objetivo dar espaço à implantação de megaprojetos de infraestrutura.

RBA – De uma maneira geral, como está a questão dos direitos indígenas na Colômbia?

É um tema muito crítico por todo o sistema que estamos vivendo no país. Todos os direitos, territoriais, educativo, de saúde, direitos humanos, direito internacional humanitário, estão muito vulneráveis e violentados na Colômbia por distintos fatores armados, legais e ilegais.

A questão territorial é muito complexa. Tudo o que tem a ver com consulta prévia dos indígenas para implantação de megaprojetos há violação. Isso leva à perda de cultura, de cosmovisão, de religiões. O Estado colombiano sempre quer desmerecer o movimento indígena em todos os níveis.

Isso em termos gerais, mas se falamos de direitos humanos a situação é mais complicada. De janeiro até agosto, temos 64 mortos por distintos grupos armados. Há um genocídio, um massacre, mas seguimos em nossa resistência e fazendo denúncia do que está ocorrendo no país.

RBA – O que mudou neste governo de Álvaro Uribe?

O governo colombiano não atua de boa fé com os povos indígenas e com outros setores sociais, como os camponeses, os sindicalistas, estudantes, trabalhadores. Declararam projetos de lei que são inconstitucionais porque não consultaram o povo colombiano.
Não estamos contra o desenvolvimento do país. O povo não foi consultado sobre o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos nem sobre o Plano de Desenvolvimento Nacional. E todo o tema da “Segurança Democrática” (projeto da área de segurança de Uribe), nunca fomos consultados. É um projeto que vai em direção ao extermínio dos povos. Fazemos um protesto em defesa de nossa vida, de nossos territórios, de nossa sobrevivência como povo milenar.

O governo nos declara como subversivos ou terroristas, é uma forma de criminalização dos povos. Na Colômbia, quem fala sobre seus direitos é discriminado. Isso está acontecendo com todos. Agora, temos uma base de dados em que fazemos uma análise do que está ocorrendo com os povos indígenas. De 2007 a 2009, a maior violência contra indígenas veio da força pública.

RBA – Em relação aos povos indígenas, como é a questão dos deslocamentos forçadas? Qual a principal causa?

A principal causa de deslocamento é a militarização dos territórios. Além disso, não há um investimento social em educação, saúde, segurança alimentar. Outra coisa são os megaprojetos que passam sem consulta prévia dos povos indígenas.

O que o paramilitarismo fez foi deslocar as pessoas. No fundo, são interesses de certos setores do Estado colombiano de deslocar os povos indígenas para implantar megaprojetos. As multinacionais se apoderam de territórios extremamente ricos.

Na Amazônia colombiana vem agora como um vendaval o projeto Iirsa (Iniciativa de Integração Regional Sul-americana, projeto apresentado em 2000 pelo Brasil e que hoje tem, como parte, o PAC). Vão construir aeroportos, hidrelétricas, unir rodovias. Isso nos afeta fisicamente, culturalmente.

RBA – Na sociedade colombiana, a questão de gênero é muito forte, há muito machismo. Por isso, pode-se dizer que as mulheres indígenas sofrem um duplo preconceito?

Há uma discriminação total. Na Colômbia, somos 102 povos indígenas com diferentes culturas, diferentes formas de ver o mundo. Isso significa que as mulheres são muito vulneráveis em relação a seus direitos. Quando os homens são massacrados por grupos armados, as mulheres ficam à mercê dos paramilitares.
Neste momento, as mulheres indígenas colombianas estão se unificando em uma luta. As mulheres em muitas regiões do país tiveram seus direitos violados. Há regiões em que as mulheres até hoje não se expressaram diante do mundo, o que as torna ainda mais vulneráveis.

RBA – O senhor falou de 102 povos.

Reconhecidos constitucionalmente são 85, mas temos clareza de que somos 102 povos. O censo de 2005, que não reflete a realidade dos povos, diz que somos 1.388.000 mil pessoas, mas sabemos que somos mais, em torno de 2 milhões. Ainda assim, somos minoria.

Demonstramos ao país que somos um povo milenar com argumentos claros desde a conquista até hoje. Para o governo, somos uma pedra no sapato e ele não reconhece nossa diversidade, somos um problema só. Cada povo tem sua cultura, seu território, sua autonomia, e isso é muito difícil que o governo entenda.