Cabeças do tráfico na Colômbia caem cada vez mais rápido, diz fundação

Pesquisadora aponta que morte de líderes é fruto de ação mais rápida do Estado e de disputa de poder

A Colômbia não vai retornar aos níveis de violência da década de 90, mas as cabeças do narcotráfico caem a um ritmo cada vez mais rápido. A avaliação é de Maria Victoria Llorente, diretora executiva da Fundação Ideias para a Paz, uma instituição que realiza pesquisas sobre o conflito armado e influencia a definição de políticas públicas contra a violência.

Em conversa telefônica com a Rede Brasil Atual, a diretora aponta que há uma disputa pelos grupos que restaram depois da desmobilização dos paramilitares, ocorrida em 2003. Ela considera que a violência crescente em Medellín – ainda que longe dos níveis de 1991 e 1992 – é fruto desses blocos que ficaram como uma salvaguarda dos paramilitares.

Entrevista

Maria Victoria Llorente

Diretora executiva da Fundação Ideias para a Paz

 Na avaliação dela, são grupos que ainda disputam o posto deixado por Diego Murillo Bejarano, conhecido como Dom Berna, extraditado em 2003 para os Estados Unidos. Dom Berna, comandou as Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), grupo paramilitar que teve inicialmente atuação no meio rural e logo se espalhou pelas cidades em blocos como o Cacique Nutibara, que teve forte presença em Medellín.

RBA – O que a senhora destaca do estudo sobre os desmobilizados?

Foi um estudo feito no ano passado, então pode ser que não reflita exatamente o que está ocorrendo neste momento. Mas há um problema, de fato, e não temos clareza se o que ocorre em Medellín é porque os reinseridos estão deixando de cumprir sua parte ou não.

Nosso balanço indicava que uma grande porção de desmobilizados, pelo menos 80%, estavam cumprindo com o programa. E havia outros 20% que de alguma maneira estavam delinquindo.

O assunto em Medellín não é apenas de que os desmobilizados estejam cumprindo ou não, mas sim que nem todo mundo se desmobilizou. Há muita confusão no caso de Medellín porque lá querem dizer que o programa é ineficaz, que não serve. E se usa isso para justificar o incremento da violência no ano passado e neste ano. Mas não é nossa visão. Tem a ver com fatos que vão muito além do programa de desmobilização.

RBA – E que fatos são esses?

Basicamente não se desativou o narcotráfico na cidade. Medellín tem uma história muito complexa que foi se transformando nas últimas duas décadas em termos da incidência das distintas organizações que controlaram não somente o narcotráfico, mas outros negócios – legais e ilegais. Não é um grupo hierárquico que você desmonta a cúpula e o resto cai sozinho.

O que existia era uma rede criminosa na qual havia estruturas mais pesadas, que naquele momento eram dominadas por Dom Berna, e estruturas mais leves, que são os combos, as bandas (quadrilhas) que de uma ou outra maneira se articulam dependendo dos negócios. Em Medellín são feitos os acordos entre o governo e o grupo de Dom Berna. Em 2002, é desmobilizado o bloco Cacique Nutibara e logo outros que operavam em zonas rurais do departamento (estado) de Antioquia.

Ao negociar com Dom Berna, ele consegue manter um estado de coisas com sua gente, mas à medida que perde poder, inclusive dentro de seu grupo, começa-se a reativar o problema de violência na cidade. É outra vez uma disputa para ver quem vai substituir Dom Berna na estrutura pesada.

RBA – Mas é possível que se volte aos níveis de 2001?

Não acredito. Se você observa o que veio ocorrendo, temos uma situação distinta do que havia em 1991, quando era a guerra contra Pablo Escobar. Temos uma polícia mais fortalecida, ainda que não se desconheçam os problemas de corrupção graves.

O que acredito que está ocorrendo agora é que as cabeças caem cada vez mais rápido, e muitos sucessores de Dom Berna terminaram negociando diretamente com a OEA e com os Estados Unidos. É cada vez mais difícil para estes grupos consolidar-se porque a ação do Estado é muito mais rápida. O problema é que sempre há um sucessor.

De qualquer maneira não é a violência do princípio dos 1990. Havia um ator, que era Pablo Escobar, que estava decidido a enfrentar o Estado colombiano e que oferecia dinheiro pela cabeça de policiais. Era um personagem muito poderoso e que, além de tudo, tinha inimigos muito poderosos, que eram Los Pepes, que acabaram por matá-lo.

Hoje não vejo nenhuma organização que possa ter o poder nem o interesse que tinha Escobar naquele momento. E mesmo Dom Berna, que é um sujeito que trabalhou para Escobar, depois para os inimigos, ou seja, tinha contato com todo o narcotráfico de Medellín.

RBA – Como evitar que as cabeças caiam cada vez mais rápido?

Tratar de evitar que esses jovens deem um salto “qualitativo” e venham a ingressar em grupos. Todos os projetos de prevenção demandam tempo, não se vai resolver o problema de um dia para o outro. Mas eu diria que há razões para ser um pouco mais otimista. Quando alguém tem níveis absurdos de violência é absolutamente impossível pensar em prevenção. Mas quando se tem níveis de violência como os vistos atualmente em Medellín é possível articular uma proposta de prevenção. Obviamente amarrada a uma estratégia de contenção.

RBA – Qual sua opinião sobre a política de Segurança Democrática de Álvaro Uribe?

“As Farc estão bastante reduzidas, mas também se transformaram. Mudaram sua ação e este ano começou-se a ver a primeira mostra dessa transformação, o que indica que estamos longe do fim das Farc, como foi anunciado no ano passado.” – Maria Victoria Llorente

Há altos e baixos. Não se pode negar que o país em termos de segurança teve uma mudança radical. A Colômbia no ano 2000 vivia um estado de temor e incerteza muito grande. Haver diminuído isso é algo que se deve reconhecer.

Agora, essas políticas transformam as coisas. Sobre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o alvo maior da política de Segurança Democrática, que era conseguir o controle do território, nesse sentido obviamente houve avanço enorme. As Farc estão bastante reduzidas, mas também se transformaram. Mudaram sua ação e este ano começou-se a ver a primeira mostra dessa transformação, o que indica que estamos longe do fim das Farc, como foi anunciado no ano passado.

É um chamado a repensar que a política não pode ficar estática. À medida que se transforma o cenário, deve também se transformar a política. E nesse aspecto ficou insuficiente.

O governo está interessado em defender sua façanha de haver desmobilizado os paramilitares. Foi algo admirável. Agora, o que estamos vendo no fenômeno das quadrilhas é que muitos redutos ficaram aí como uma salvaguarda e são eles que estão operando hoje em dia. O governo dificilmente pode aceitar que isso é fruto da maneira como se negociou com os paramilitares. E não reconhece que os erros são parte da política, ou seja, é como se a proposta ficasse presa na armadilha de seu próprio êxito.
Não foi possível evoluir nessa política, mas nesse cenário emergem novos problemas. Cada vez mais se discute o tema da segurança urbana e a política é bastante vaga frente a esse aspecto.

RBA – Um tema que não é novo, mas que vale a pena tocar: qual sua opinião sobre a ajuda mensal dada aos paramilitares desmobilizados?

É um tema muito complicado. Em qualquer programa de reinserção, sempre está considerada a ajuda temporária para a estabilização desses indivíduos. Estão acostumados à guerra, não à vida civil, e é preciso dar uma ajuda para que seja reinserido. Desde esse ponto de vista me parece absolutamente necessário.

O que acontece é que sempre estava definido um período de reinserção, que era de um ano ou, no máximo, 18 meses. Sérgio Fajardo, sendo prefeito de Medellín, recebe o acordo pronto do governo com o Cacique Nutibara e afirma que era impossível ter as pessoas prontas para o mercado de trabalho em um tempo tão curto. A prefeitura foi muito pioneira e saiu na frente do programa nacional, que estava absolutamente desajustado naquele momento. Decidiram tratar caso por caso, de acordo com a evolução de cada indivíduo.

Mas estão demorando muito. Os primeiros foram no ano passado, depois de cinco anos. Até quando é eficiente manter essa ajuda? É uma discussão que não se fez abertamente, é algo tratado apenas nos bastidores.

Estamos terminando um estudo no qual fizemos uma observação em detalhe na parte da reintegração econômica dos desmobilizados e temos algumas ideias que queremos discutir precisamente com o governo de quando poderia ser o momento adequado. Isso não pode ser mantido ad infinitum.