Exclusivo: Fajardo promete vencer com ou sem Uribe na disputa

Candidato evita se contrapor ao atual presidente colombiano, nega ser de direita ou esquerda e manifesta admiração por Lula e Bachelet. Para ele, América do Sul não entende o que é o narcotráfico

O candidado à presidência colombiana, Sérgio Fajardo, em um dos muitos eventos pelo país (Foto: divulgação)

Matemático de formação, político “por convicção”, Sergio Fajardo está com agenda cheia. Uma década depois de iniciar sua vida pública como uma figura independente, ele já passou com êxito pela prefeitura de Medellín – com aprovação de 96% – e não tem dúvidas de que estará na disputa pela presidência colombiana no ano que vem.

Fruto de investimento em educação e em cultura, a aprovação a Fajardo em Medellín está expressa nas ruas da segunda maior cidade colombiana, com parques-bibliotecas, praças arborizadas, sensação de segurança para o “epicentro do terremoto” do narcotráfico na década de 1980, como gosta de dizer o ex-prefeito.

Nas últimas semanas, Fajardo rejeitou juntar-se ao projeto dos “Quíntuplos”, cinco políticos independentes tidos pela imprensa colombiana como o “Time dos sonhos” na disputa pela presidência. O motivo exposto pelo político foi claro: o matemático de 53 anos não é pré-candidato, mas candidato.

Com convicção, ele afirma à Rede Brasil Atual que vai vencer, com ou sem Álvaro Uribe na disputa. Até agora, Fajardo é o candidato de oposição – ainda que rejeite ser o opositor ao governo – mais bem colocado nas pesquisas, disputando cabeça a cabeça quando o nome governista é Juan Manuel Santos, ex-ministro da Defesa.

Sabendo que ainda precisa ser conhecido por parte da população colombiana, o ex-prefeito adotou uma intensa agenda de campanha que se iniciou muito antes dos três meses de disputa oficialmente aberta. Ao longo do último ano e meio, Fajardo percorreu 130 municípios da Colômbia.

Na primeira vez em que a reportagem solicitou entrevista ao ex-prefeito, não foi possível agendar uma data: ele estava a caminho de Bogotá e, nos dias seguintes, passaria por Cali, Cartagena e Barranquilla, três das mais importantes cidades colombianas.

Fajardo e sua equipe apostam na internet desde o início da empreitada. Sempre atualizada com fotos e vídeos, com conexões às contas no Twitter e no Facebook, ele não rejeita a comparação com a estratégia de Barack Obama. A diferença: Fajardo prefere o “Assim se faz” como lema de campanha.

Ele garante que se manterá como candidato independente, sem ligação a grupos políticos tradicionais – a quem grande parte do povo colombiano adquiriu aversão.

Admirador de Lula e da chilena Michele Bachelet, considera que o Brasil se deu conta de seu papel de potência. Ao mesmo tempo, acusa nações vizinhas de ignorância em relação ao narcotráfico, já que, para ele, a Colômbia precisa sim de ajuda dos Estados Unidos.

Entrevista

Sergio Fajardo
matemático, 53 anos, foi integrante da Comissão Facilitadora para a Paz de Antioquia. É doutor em Lógica Matemática pela Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, e deixou a Universidade dos Andes, em Bogotá, em 1999.

RBA – Como foi sua decisão de entrar para a política?

Sou um matemático. Fiz toda minha trajetória até ser professor titular da Universidade dos Andes, em Bogotá, e da Universidade Nacional. Era do meio científico até dezembro de 1999, janeiro de 2000.

Com um grupo de poucas pessoas amigas tomamos uma decisão: vamos participar da política. Todo o tempo estávamos dizendo como deveriam ser as coisas, mas são os políticos que tomam as decisões mais importantes da sociedade, gostemos ou não. Nós não gostávamos da política tradicional e muitas pessoas decidimos participar dela, organizar um movimento cívico para disputar as eleições.

E vamos ganhar as eleições, vamos chegar ao poder e, uma vez no poder, não vamos mais falar “deveria ser dessa maneira”, mas “assim se faz”. Eu, como líder desse processo, não tenho carreira política, não tive militância em nenhum partido.

Diziam que estávamos loucos, que era impossível. Estabelecemos uma política com princípios básicos, apresentamos uma proposta para a cidade de Medellín. Fizemos uma estratégia muito simples: não trouxemos nenhum gênio dos Estados Unidos, mas saímos para caminhar pelas ruas da cidade com uns panfletos dizendo o que éramos, e dessa forma conseguimos estabelecer uma relação com as pessoas.

Na primeira pesquisa que saiu, meu nome deu 0%. Diziam “retire-se, retire-se porque não se pode”. Nunca nos retiramos nem olhamos para os lados. Fazemos política por convicção, não por cálculo. E seguimos para a segunda eleição, em que vencemos a prefeitura de Medellín com uma vantagem esmagadora sobre o segundo colocado.

RBA – O senhor assumiu a prefeitura no momento em que estavam desmobilizando os paramilitares, havia uma conjuntura de mudança. Como isso influenciou a gestão?

Quando chegamos ao poder, em 2003, o governo nacional havia feito a negociação com os grupos paramilitares. De fato, os paramilitares de Medellín foram a nossa sede nos ameaçar. Algumas pessoas distribuíam panfletos pelas ruas dizendo que eu era guerrilheiro e inimigo número um de Uribe.

Quando ganhamos e chegamos ao poder, a cidade tinha os primeiros desmobilizados. Aí tomamos uma decisão muito importante, que foi fazer um processo de reinserção com eles. Esses jovens são a expressão dessa violência que já leva quase 30 anos na Colômbia. O narcotráfico é um terremoto que estremeceu a Colômbia cujo epicentro foi Medellín. O processo de reinserção tem montes de aspectos positivos e algumas dificuldades – aprendemos bastante com isso.

Por outro lado, sabemos que a aposta para fazer uma transformação profunda em nossa sociedade passa pela educação, pela ciência, pela tecnologia, pelo empreendimento e pela cultura. Quer dizer, o conhecimento em suas múltiplas formas. 

E, no poder, vimos que os problemas que queremos resolver são as desigualdades sociais profundas de nossa sociedade e a violência, que também têm raízes profundas. A fórmula que empregávamos era de que todo dia deveríamos reduzir a violência. Mas, junto com isso, deveria chegar a oportunidade de inclusão.

E então fizemos um programa que se chama “Medellín, a mais educada”, que respondia por 40% do orçamento da cidade e era todo para a qualidade e a infraestrutura da educação pública, os novos espaços públicos, e o que fosse necessário para mudar a cidade. Tudo que fizemos foi abrir portas de alternativa para o conflito. Leva tempo, sem dúvida.

RBA – Neste momento se está vendo em Medellín uma violência que, obviamente sem retornar a níveis dos anos 90, tem aumentado e preocupa. A quais fatores atribui isso?

É em toda a Colômbia, não só em Medellín. Aumentou a violência urbana e a insegurança urbana. Os líderes paramilitares que haviam negociado com o governo e com os Estados Unidos foram condenados em 2008. Ao mesmo tempo, narcotraficantes que não haviam negociado, alguns no Brasil, outros na Venezuela, foram capturados ou mortos. Ou seja, há um vazio de comando. Quando isso ocorre no mundo deles, (algum grupo) trata de ocupar esse espaço, fazendo-se valer dos mais distintos meios.

Estamos em um momento de batalha dessa natureza. Há questões que são de polícia nacional, de Justiça, coisas que não dependem de um prefeito. Uma política que não leve em conta os quadros médios do processo sempre terá dificuldades. Mas houve avanços sensíveis. Por exemplo, é muito mais rápida a reação da polícia, as cabeças duram muito menos tempo, os líderes caem muito rapidamente.

RBA – O senhor tem agora percentuais de intenções de votos significativos. Se algum grupo político tradicional convidá-lo, o senhor vai seguir independente?

Sempre independente, porque 70% dos colombianos não se identificam com nenhum partido político. As duas instituições com menor respaldo, menor credibilidade junto à população da Colômbia são o Congresso e os partidos políticos. Somente 15% das pessoas acreditam nos funcionários públicos.

É dramático que as pessoas que menos respeitamos, que menos acreditamos, que menos admiramos sejam as que decidam por nós. Nosso movimento é independente e seguirá assim.

RBA – Nesta semana, Álvaro Uribe tem dias decisivos para sua candidatura ao terceiro mandato. A Câmara deve aprovar e depois segue para a Corte Constitucional. Como o senhor vê o movimento pelo terceiro mandato?

Dizíamos sempre que, assim que acabasse o mandato na prefeitura, seguiríamos dali para a Colômbia. Com ou sem Uribe. Não somos uribistas nem antiuribistas. Não é problema para nós.

Vamos ganhar. Esse é nosso objetivo e todos os dias olhamos para lá. Com quem concorremos é algo que saberemos em breve. Naturalmente não será fácil porque são pessoas inteligentes, mas não ficamos olhando para os lados.

RBA – Nas últimas semanas a Colômbia esteve no centro da política sul-americana com a questão das bases dos Estados Unidos. O que o senhor faria na presidência a respeito disso?

Ainda não conhecemos totalmente o acordo com os Estados Unidos. É indubitável que a Colômbia precisa da ajuda dos Estados Unidos para lutar contra o narcotráfico. Há muita ignorância na América do Sul a respeito da importância do narcotráfico e de suas raízes no país. É a violência em sua expressão mais alta, a capacidade de corrupção maior de todas.

Tomara que nenhum país viva o mesmo, que nenhuma cidade veja o mesmo que ocorreu em Medellín. É algo muito dramático. Mas é preciso entender que necessitamos da ajuda dos Estados Unidos. Nossa soberania não é questionável nem negociável. Nosso objetivo é que a comunidade internacional esteja conosco.

A maioria não entende o que é o narcotráfico, não é possível imaginar. Vejo por exemplo Evo Morales falando que com suas forças armadas venceria o narcotráfico, eu tenho certeza de que não faz ideia do que é o narcotráfico.

Partindo daí, temos de garantir que nunca a Colômbia será utilizada para agredir ninguém. Devemos ter uma relação boa com nossa família latino-americana. E deve haver muito rigor com a presença de soldados dos Estados Unidos aqui.

RBA – Se o senhor chegasse à presidência, que mudanças faria nas relações entre Brasil e Colômbia?

Dois governos que admiro na América do Sul são Chile e Brasil. Com o Brasil demos mostras de como ter boas relações com um país de tamanha envergadura. É muito bem-vinda a posição de liderança do governo brasileiro no contexto sul-americano. Quando o Brasil se dá conta do potencial gigante que teve em toda sua história, mas agora convertido na política internacional, é importante para a América Latina.

O Brasil vinha nesse processo desde (o mandato de) Fernando Henrique Cardoso e, com Lula, mostrou a seriedade do país. Particularmente o presidente Lula fez muito bem a relação com o mundo, especificamente com a América Latina e especialmente com a Colômbia.

Teremos uma ótima relação e não tenho dúvidas de que o Brasil se converteu em um ponto de equilíbrio na região. O país demonstrou que tem uma política de relações exteriores muito sólida.

RBA – Analistas apontam que o governo Lula contemplou diferentes setores, ora  mais progressistas, ora mais conservadores. Caso o senhor chegue à presidência, será assim também?

Sem dúvida. Estamos rompendo com o esquema de direita e esquerda. Não me importa se é de esquerda ou de direita, eu digo “adiante!”. É a capacidade de convocar diferentes setores da sociedade para que trabalhem juntos. Na América Latina passamos toda a vida destruindo-se entre nós. Por isso essa riqueza tremenda que temos nunca se converteu em riquezas para a sociedade. Não vemos o mundo da forma tradicional. Vemos os problemas que temos para resolver e chamamos os setores a ajudar.

RBA – Qual o grande desafio da Colômbia para os próximos anos?

São três, a corrupção, a desigualdade e a violência.