Reformas

Ex-ministro de Lula quer buscar equilíbrio em comissão de direitos humanos da OEA

Paulo Vannuchi, candidato a uma das três vagas em disputa no dia 6, afirma que órgão regional adotou alinhamento automático às vítimas, perdendo de vista função de mediador

marcello casal/abr

Ex-ministro Paulo Vannuchi disputa uma vaga na OEA

São Paulo – Equilíbrio é a expressão que Paulo Vannuchi escolheu para guiar sua candidatura a uma vaga na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Ministro da Secretaria de Direitos Humanos no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-10), Vannuchi carrega a vontade do Brasil de retornar ao sistema regional de proteção de direitos básicos e de guiar este mesmo sistema a uma mudança que garanta equidade.

A retirada da candidatura dele por Dilma Rousseff em 2011 e os crescentes protestos das nações bolivarianas, lideradas pela Venezuela, contra decisões das entidades da Organização dos Estados Americanos (OEA) são, na visão de Vannuchi, resultado desta assimetria. “A comissão deixou escapar um pouco uma posição indispensável de ser um terceiro elemento. Por mais simpatia que ela tenha pelo ponto de vista dos peticionários, das vítimas, ela não podia se alinhar automaticamente”, avalia, em entrevista concedida à RBA, à TVT e ao ABCD Maior.

Há dois anos, quando Vannuchi tinha tudo para conquistar uma das sete vagas – três são colocadas em disputa a cada biênio –, o governo brasileiro ficou irritado com os pedidos da CIDH a respeito da usina hidrelétrica de Belo Monte. A leitura do órgão regional de que as obras deveriam ser paralisadas para que se promovesse consulta prévia aos ribeirinhos e indígenas afetados foi recebida a contragosto no Palácio do Planalto, que decidiu retirar a candidatura brasileira e secar as colaborações financeiras à comissão.

Em março deste ano, com a abertura de disputa para três novas vagas, o país decidiu recolocar o nome do ex-ministro. “A candidatura de Paulo Vannuchi expressa o compromisso do Brasil com o fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos”, disse o comunicado do Itamaraty. Além do Brasil, Estados Unidos, Equador, Peru, México e Colômbia apresentaram postulantes. Cada um dos 34 membros plenos da OEA votará três vezes no próximo dia 6 de junho, na cidade de Antigua, na Guatemala, e os três com maior número de apoios exercerão mandato em Washington entre 2014 e 2017.

Vannuchi foi integrante da Ação Libertadora Nacional (ALN) na resistência à ditadura e um dos organizadores do livro-documento Brasil nunca mais, lançado em 1979, durante a repressão, e leva na bagagem a boa avaliação da diplomacia brasileira no exterior. “A força da candidatura é principalmente pelo respeito pelo Brasil e a vontade clara do sistema de ter o Brasil dentro. Se o Brasil não fica dentro, participando ativamente, é como se o sistema ficasse faltando uma parte do próprio corpo, fragilizado”, diz o colunista da Rádio Brasil Atual e da TVT.

Os integrantes da comissão recebem as causas apresentadas pela sociedade, no geral aceitas quando há clara negação do direito de defesa, esgotamento da possibilidade de recursos ou morosidade do sistema judicial. A CIDH busca soluções amistosas entre Estados e vítimas e, quando isso não é possível, o caso é encaminhado à Corte Interamericana.

Neste sentido, Vannuchi descarta qualquer conexão entre a candidatura e o julgamento da Ação Penal 470, sobre o chamado mensalão, como chegou a ser especulado por alguns veículos da mídia tradicional. Aventou-se a possibilidade de que o ex-ministro pudesse ajudar os réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que poderiam apelar ao sistema regional alegando que no âmbito interno não tiveram direito a recurso. “Não tem nenhuma vinculação com as coisas, porque é uma regra de ouro do sistema: deixar as pessoas do mesmo país de fora – e fora mesmo. Quando o caso é debatido a pessoa não participa das sessões e todos tomam muito cuidado.”

Durante uma hora e meia de conversa, na última quarta-feira (22), Vannuchi comentou os principais pontos de sua candidatura e do trabalho que pretente desenvolver caso seja eleito.

Equilíbrio

“Quando eu falei em equilíbrio, é porque o sistema OEA tem, como muitos Estados, uma penúria orçamentária. Houve um desequilíbrio entre as duas funções básicas do sistema, que são a defesa dos direitos humanos, quando eles são violados, e a promoção, com ações antes deles serem violados. Na falta de dinheiro, apareceram doações, mas elas vieram para um item: liberdade de imprensa. E pegaram a Venezuela como espécie de bode expiatório. Qualquer que seja o problema da Venezuela, é um governo de sensibilidade popular, social, de anteposição à hegemonia norte-americana na região.

Nesse sentido, faltou essa sensibilidade. A ponto de levar a uma ruptura que é lamentável, também acho um erro a Venezuela ter se retirado desse sistema. Ao se retirar, os venezuelanos perdem uma corte a mais de apelação. E ninguém vai garantir que a Venezuela é o Estado perfeito, porque ela não é. Nem o Chávez é perfeito, nem Maduro, nem o Legislativo nem o Judiciário. Então, foi um erro de retórica. Eu, se for eleito-membro, com habilidade e disciplina, vou trabalhar (e já disse isso com chanceler venezuelano) para ter a Venezuela de volta.

O caso de Belo Monte

“Nos últimos anos, inclusive no episódio da Usina Belo Monte, a comissão tinha se comportado como uma instância em que havia quase um alinhamento prévio, uma identidade. Então, a comissão deixou escapar um pouco uma posição indispensável de ser um terceiro elemento. Por mais simpatia que ela tenha pelo ponto de vista dos peticionários, das vítimas, ela não podia se alinhar automaticamente, partindo do pressuposto de que os Estados mentiriam ou não teriam interesse em defender os direitos humanos.

E esse erro não foi um erro de má intenção. Foi erro decorrente da baixa percepção das mudanças profundas da região nos últimos dez, 20 anos. Porque tudo o que a comissão fez agora, se ela fizesse dez anos antes, está tudo certo. Os Estados eram ditatoriais, elitistas. Mas a democracia avançou também por dentro dos Estados. Por mais que haja um governo voltado para a questão social, de combate à pobreza, o governo não é suficiente para acabar com violações de direitos humanos que decorrem de 500 anos de uma opressão de elites, que está profundamente enraizada na alma das polícias, das autoridades, das empresas e do cidadão comum.”

Prestígio externo do Brasil

“É resultado de vários fatores. Do tamanho, do PIB, da população. O México não pode ser porque eles não discordam dos Estados Unidos em nada. E a Venezuela não pode ser porque discorda dos Estados Unidos em tudo. A Argentina também não pode ser porque tem uma política interna pautada na polarização. A Colômbia não pode porque ainda está resolvendo a guerra interna.

O Brasil tem uma condição absolutamente especial. Nas nossas conversas, que não foram 34, foram muitas, mais de 70, todo mundo responde o mesmo. O Brasil tem papel especial, cabe a ele fazer. O Brasil não faz retórica. E eu, nos meus discursos, estou com muita calma, dizendo que temos o maior interesse em estreitar relações com os EUA nas áreas de direitos humanos, que é muito importante.”