Derrota nas urnas dá empurrão final para reforma da coalizão governista chilena

Com primeiro fracasso em 20 anos, Concertação deixará o poder fragmentada e com ameaça de perder integrantes para nova aliança

A presidente Michelle Bachelet recebe Sebastián Piñera em café da manhã depois de reconhecer a derrota governista (Foto: Presidência do Chile)

A coalizão de partidos que governou o Chile nos últimos 20 anos deixará o Palácio de la Moneda com a vitória do bilionário Sebastián Piñera sobre o ex-presidente Eduardo Frei Tagle (1994-2000). Nascida na necessidade de vencer um plebiscito e dar fim à ditadura de Augusto Pinochet, a Concertação aprofundou suas crises internas no momento de definição do candidato.

A derrota de Frei leva a Concertação ao declínio no momento em que se tem a presidente como mais alta aprovação da história chilena. Desde a crise econômica que eclodiu em setembro de 2008, a popularidade de Michelle Bachelet sempre esteve em torno de 80%.

Guillermo Holzmann, professor da Universidade do Chile, avalia que o mais importante neste momento é definir se a aliança vai se manter na clara oposição ao conservador Piñera ou se seguirá como situação. Esse passo é importante para apontar quais partidos seguem juntos na aliança.

Na noite de domingo, a derrota foi rapidamente admitida por Eduardo Frei, que chamou o vencedor ao diálogo e à união dos chilenos. “O que se buscou foi evitar o alargamento da sensação de derrota, reconhecê-la rapidamente para manter uma possibilidade de unidade dentro da Concertação. Nesse instante, o que se privilegia é manter a coalizão unida e evitar que o processo de crítica se faça de uma maneira desordenada, gerando uma crise muito mais profunda”, afirma Holzmann, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Mais rápidas que a admissão da derrota, no entanto, foram as sinceras autocríticas de altos quadros da Concertação. A pressão foi iniciada pelo ex-presidente Ricardo Lagos que, ainda que tenha afirmado que a coalizão deixa La Moneda sem baixar a cabeça, apontou que é hora de abrir espaço para novos quadros.

Claudio Orrego, prefeito de Peñaloén e ex-porta-voz de Frei, foi mais claro: “houve um pouco de arrogância, um pouco de surdez e muito de cegueira. Porque não pode ser que 80% respaldem a presidente e nós tenhamos 48% nessas eleições”.

A pressão veio também dos quadros inferiores. Os jovens do Partido Democrata-Cristão (PDC) ocuparam a sede da sigla em Santiago logo após conhecerem os resultados e agora exigem que os comandantes do PDC assumam a culpa pela vitória de Piñera. Além disso, eles afirmam que não aceitarão em hipótese alguma que a legenda seja aliada do novo governo. O PDC é o partido mais conservador da Concertação e seu candidato, Eduardo Frei, está mais para a centro-direita que para a esquerda, ponto do espectro político no qual a coalizão gosta de fixar-se.

No Partido Socialista, a postura é a mesma. Dirigentes pedem a saída do atual comando, encabeçado pelo senador Camilo Escalona. Uma reunião marcada para sábado deve definir a apresentação formal de candidaturas para eleger uma nova direção. Dois deputados lideram a iniciativa e dizem contar com apoio de nomes expressivos, como o ex-presidente Lagos e a senadora eleita Isabel Allende.

Não se trata de mera coincidência. O PS e o PDC são os partidos mais rachados internamente. Entre os socialistas, o problema começou com a indicação de Frei como candidato, sem a realização de prévias. Vários dirigentes importantes apoiaram Jorge Arrate, ex-ministro de Salvador Allende e de Eduardo Frei, que há anos vem falando sobre a necessidade de remodelar a Concertação.

Guillermo Holzmann não tem dúvidas de que a falta de novas ideias e a consequente fragmentação da Concertação são culpadas pela derrota. “A hipótese que tinha a Concertação de que o comportamento eleitoral se manteria inalterado em virtude de um quadro não-renovado resultou em um erro que não conseguiu ocultar as críticas e as dissidências dentro da coalizão”, destaca.

As críticas e dissidências levaram, entre outros fatores, ao candidato-surpresa Marco Enríquez-Ominami. O deputado de 36 anos, saído do PS, foi terceiro colocado no primeiro turno e saiu fortalecido para 2014. Agora, coleta assinaturas para a formação de uma nova sigla. “Uma vez que forme o partido, a pergunta é se a Concertação fica exatamente igual ou se isso produz alguma divisão em seu interior. Ou Ominami pode liderar uma nova Concertação”, cogita Holzmann.

Mas aí alguns partidos terão de rever suas bandeiras. Um passo importante foi dado durante o segundo turno. Visando a aproximação com os eleitores de Ominami, Eduardo Frei apoiou a proposta de uma Assembleia Constituinte, antiga bandeira dos socialistas que, no entanto, a Concertação não tratou ao longo dos vinte anos em que esteve no poder.

Alejandro Lávquen escreveu em sua coluna no El Ciudadano que foi esse um dos fatores para explicar a derrota governista. Para ele, a coalizão não conseguiu, ao longo de duas décadas, romper com a direita que deu sustentação a Pinochet. “A Concertação co-governou com a direita de maneira covarde, legitimando-a com sua atitude de conivência definida no conceito de Patrício Aylwin (presidente 1990 – 94) de fazer as coisas ‘na medida do possível’”.