Lei ônibus

Câmara aprova projeto de Milei e neoliberalismo avança na Argentina

Com votos favoráveis de 144 parlamentares, pacote de medidas econômicas transforma direitos sociais como responsabilidade estatal em serviços que devem ser supridos por entes privados

Enrique Garcia Medina / Télam
Enrique Garcia Medina / Télam
Câmara: aprovação é considerada uma grande vitória para o governo, que enfrentou uma greve geral massiva contra o projeto no dia 24 de janeiro

Opera Mundi – A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou nesta sexta-feira (2), com 144 votos a favor e 109 contra, o texto base da chamada Lei Ônibus, um dos projetos mais importantes do programa de governo do presidente ultraliberal Javier Milei.

O resultado é considerado uma grande vitória para o governo, que enfrentou uma greve geral massiva contra o projeto no dia 24 de janeiro e um debate na Câmara que teve início na última quarta-feira (31) e precisou de mais de 50 horas para se chegar à votação final.

A Lei Ônibus consiste em um pacote com centenas de medidas econômicas que busca reduzir drasticamente a participação do Estado na economia argentina e transformar direitos sociais atualmente garantidos pela constituição do país como responsabilidade estatal em serviços que devem ser supridos por entes privados.

O projeto original continha mais de 300 medidas que apontavam nesse sentido, mas as negociações com os setores de direita da oposição, visando alcançar os votos suficientes para a aprovação, fizeram com que o texto mais recente tenha pouco menos de 200 artigos.

A estratégia deu certo, já que alguns setores de direita que se apresentam como opositores ao governo de Milei – considerado de extrema direita –, terminaram votando a favor e foram decisivos para a aprovação.

No entanto, vale ressaltar que após a aprovação do texto base, a Câmara deveria avaliar em particular boa parte dos quase 200 artigos do projeto, procedimento que terá início a partir da próxima terça-feira (06/02).

Reações após aprovação do texto

Em rede social, o presidente Javier Milei comemorou a aprovação geral da Lei Ônibus na Câmara. Além disso, por meio de um comunicado da Presidência da República, o mandatário chegou a agradecer Cristian Ritondo, Miguel Ángel Pichetto e Rodrigo de Loredo, os três líderes da oposição que apoiaram o projeto.

Logo após o resultado, a ministra da Segurança, Patrícia Bullrich, também usou as redes sociais para agradecer os parlamentares:

“A Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos é uma ferramenta para sair da decadência de décadas. Felicito todos os deputados que deram este passo em prol do bem-estar dos argentinos. Mais investimento, mais trabalho, mais liberdade”, escreveu a aliada do presidente.

O chefe da Defesa, Luis Petri,  comemorou a aprovação e afirmou este ser “o primeiro passo de muitos no caminho histórico de transformação da nossa Nação”, acrescentando que a decisão de hoje “deixa para trás, de uma vez por todas, o passado que nos acorrenta e nos limita em nossa liberdade”:

Apesar de ser uma vitória significativa para o governo Milei, o ministro do Interior, Guillermo Francos, foi mais cauteloso ao dizer que não se trata de uma “meia-sanção” já que “falta o voto em particular”. No entanto considerou o resultado desta noite ser “um grande passo”.

Por outro lado, o presidente do União pela Pátria, Germán Martínez, afirmou que o debate “não esclareceu completamente as questões obscuras” e estranhou que “houve artigos que antes estavam fora e agora estão dentro”.

“O importante não é o que acontece na terça-feira, mas o que acontece entre hoje e terça-feira”, explicou Martínez à imprensa, acrescentando que o Congresso estava debatendo “sem saber exatamente qual era a proposta”.

Em rede social, o deputado criticou que as questões envolvendo produção, indústria, trabalho, exportação, mercado interno, ciência e tecnologia ficaram “absolutamente ausentes na lei geral”. Assegurou ainda que trabalhará para rechaçar o projeto de Milei, o qual caracterizou como um “plano de desintegração nacional, limitação do federalismo e ruptura da coexistência democrática”.

Os bastidores da aprovação

Minutos antes da votação geral, o governo de Javier Milei tentou influenciar os parlamentares ao emitir um aviso forçando a aprovação da lei debatida em questão.

A nota, compartilhada pelo próprio presidente em rede social, falava em “responsabilidade e celeridade na votação do megaprojeto” e também pressionava os deputados, em termos que denotavam tons de ameaça, afirmando que “a história os julgará de acordo com sua atuação a favor dos argentinos ou a favor de continuar a empobrecer o povo”.

O texto ainda tentava convencer de que o projeto deveria ser aprovado uma vez que “as sugestões foram acolhidas, as modificações foram feitas, o capítulo fiscal foi eliminado e chegamos a um projeto de consenso”.

Política de represália

Até a aprovação do projeto, a Argentina não passou apenas por três dias de intensos debates, mas também por uma série de protestos. Enquanto acontecia a sessão, o entorno do Congresso era, simultaneamente, um palco de confrontos diretos entre manifestantes e as forças de segurança nacionais.

Os policiais chegaram a reprimir os civis fazendo uso de balas de borracha e caminhões hidrantes, cumprindo o protocolo da “política de represália” anunciada semanas antes pela ministra de Segurança Nacional, Patricia Bullrich.

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Como informava o canal argentino C5N, a Polícia Federal também entrou em campo e avançou sobre os cidadãos, jornalistas e grupos auto-organizados que estavam na Praça do Congresso, “empurrando, espancando e jogando gás lacrimogêneo”.


Com informações de Rocio Paik e Vitor Farinelli para o Opera Mundi