Equador: Acosta reivindica esquerda e promete ‘cumprir Constituição’

Coordenadora da Esquerda reúne dissidentes da revolução cidadã que dizem ter deixado o governo depois que o presidente Rafael Correa foi para a direita

Acosta com cachecol do Pachakutik e bandeira do MPD ao fundo: representantes das esquerdas equatorianas (Foto: Tadeu Breda/RBA)

Quito – Como todos os candidatos que disputarão amanhã (17) as eleições presidenciais equatorianas, Alberto Acosta teve de encerrar sua campanha ontem (14), quando se comemora no país o dia do amor e da amizade – versão local do dia dos namorados. Por isso, depois de conceder entrevista a uma jornalista colombiana, balançando em cima do caminhão que, em caravana, cruzava a capital entre jingles e buzinas, Acosta presenteou a profissional com um panfleto em forma de coração. “Fechamos a campanha com muito amor pelo país.” Não menos de 50 veículos acompanharam a barulhenta comitiva que ajudou a intensificar o já caótico trânsito da cidade. Daí que o candidato esteja otimista.

“Estamos confiantes em que os resultados serão muito favoráveis”, disse à Rede Brasil Atual em cima da mesma carroceria que o apresentava aos equatorianos pela última vez antes do pleito – qualquer ação política partidária está proibida pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) até o fechamento das urnas. Mas as pesquisas de opinião em nada favorecem a candidatura de Acosta, que nunca passou dos 5% das intenções de voto.

O último levantamento, realizado há dez dias, o coloca em quarto lugar na disputa, com apenas 2,5 pontospercentuais. “As pesquisas não passam de leituras que se realizam num momento específico da campanha e são utilizadas como armas na guerra de nervos da política”, analisa. “Não lhe damos muito valor.”

Aos 65 anos, Alberto Acosta é um economista bastante conhecido no Equador, autor de livros importantes para a intelectualidade local e razoavelmente bem vendidos. Sua candidatura representa os grupos políticos e sociais que dizem ser os legítimos herdeiros da esquerda equatoriana. Por isso, a coalização que encabeça foi batizada como Coordenadora Plurinacional pela Unidade das Esquerdas. Dois partidos sustentam o grupo: o Movimento Popular Democrático (MPD), com grande influência sobre professores e estudantes, e o Pachakutik, braço político da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), movimento social mais importante do país.

Constituição em jogo

Em comum, as organizações que apoiam Acosta avaliam que o presidente da República, Rafael Correa, se desviou do caminho proposto pela revolução cidadã – projeto que apoiavam e, mais que isso, ajudaram a construir nos idos de 2005. Daí que a principal bandeira de sua candidatura seja cumprir a Constituição Plurinacional, aprovada em 2008 com respaldo do governo, mas que desde então – avaliam – vem sendo desrespeitada pela administração pública. “É um projeto de vida em comum”, define Acosta.

A nova Constituição é um divisor de águas da política (e sobretudo da esquerda) equatoriana desde que entrou em vigor. Aferrar-se a seus preceitos tem sido a maneira encontrada pelos movimentos sociais do país para fazer uma oposição popular ao governo, reconhecendo muitas das conquistas obtidas por Correa, mas criticando suas medidas ambientalmente incorretas – como a aposta pela expansão da fronteira petrolífera e a abertura de minas industriais no país.

“Temos que transformar nossa matriz produtiva. Correa não está impulsionando o socialismo do século 21, como queríamos, mas sim o extrativismo do século 21”, compara Acosta. “Mais petróleo e mais mineração, estamos contra. Queremos preservar a Amazônia.”

Os movimentos que integram a Coordenadora das Esquerdas também desprezam posturas “pouco democráticas” do presidente no que diz respeito à liberdade de manifestação política, às suas ingerências no poder judiciário e sua disposição em concentrar cada vez mais poder. E são profundamente ressentidos com as ofensas que o mandatário tem-lhes dirigido, como “esqueristas ingênuos” e “ecologistas infantis”.

O presidente diz – e repetiu em seu encerramento de campanha – que a natureza deve ser preservada, mas que deve, antes, estar a serviço do ser humano. Adora parafrasear o naturalista alemão Alexander von Humboldt e dizer que “não podemos continuar pobres estando sentados em cima de um saco de ouro.” Alberto Acosta, que construiu uma sólida carreira acadêmica opondo-se a esta ideia, resolveu afastar-se de seu antigo amigo presidente ainda durante o processo de elaboração da Constituição.

Dissidência

Em 2007, quando o governo convocou uma Assembleia Constituinte, Acosta, que então ocupava o Ministério de Energia e Minas, decidiu lançar-se como assembleísta. Foi o mais votado do país. Como consequência, assumiu a presidência do colegiado que escreveria a nova Carta. Começou o trabalho com muito entusiasmo, mas renunciou ao cargo depois de sofrer pressões do governo para terminar o texto o mais rápido possível.

Não acatou as ordens de Correa porque acreditava – e ainda acredita – que os constituintes deveriam priorizar o debate à velocidade na hora de escrever algo tão importante como a Constituição do país. Mas poucos pensavam como ele na Alianza País, partido que ajudou a criar e que integrava na época.
Sua saída da Assembleia e da sigla, em 2008, marcaria uma distância ideológica que se espalhou por vários setores da política equatoriana e agora finalmente encontrou uma expressão eleitoral. “Tivemos uma campanha intensa, entusiasta e muito comprometida”, define. “Estamos percorrendo o Equador há seis meses e meio, desde que começamos as eleições primárias para definir o candidato das esquerdas. Tem sido muito proveitoso.”

Desde que foi nomeado como candidato, em agosto, Acosta tem corrido contra o tempo e as distâncias do Equador para fazer-se conhecer pela maioria do eleitorado – que definitivamente não acompanha os debates teóricos sobre modelo de desenvolvimento, nos quais o economista se destaca. “Não temos tantos recursos como os demais candidatos. Existe uma enorme inequidade neste processo eleitoral”, diz, comentando as limitações de sua campanha frente ao poder financeiro e midiático dos adversários.

“O presidente usa o dinheiro de todos os equatorianos e tem canais de rádio, tevê e jornais que usou na campanha. Mas não importa. Para nós, é como jogar uma partida de futebol num campo inclinado, lá de baixo e com os que estão abaixo.”

Suspeitas

Assim como têm feito todos os candidatos de oposição, Acosta também coloca em dúvida a lisura da autoridade eleitoral equatoriana e acredita que poderá haver fraude. “A partida tem um árbitro vendido, pois o CNE responde às ordens de Rafael Correa e nos deixou fora do processo de fiscalização”, critica. “Só aceitaremos os resultados se houver transparência. Somos democráticos e não ficaremos choramingando caso sejamos derrotados dentro das regras do jogo.”

Apesar das críticas, o projeto de Acosta encontra algumas coincidências com as propostas da revolução cidadã. Uma delas é a crença na integração latino-americana. Por isso, a candidatura das esquerdas promete intensificar todos os projetos em curso para a construção da “pátria grande com que sonhou Simón Bolívar” – Alba, Celac, Unasul, CAN e Mercosul.

Acosta também elogia o asilo dado pelo governo equatoriano ao criador do WikiLeaks, Julian Assange, a quem se refere como um ícone da liberdade de expressão. “Mas não entendemos a grande contradição de Correa, que persigue os Assange equatorianos, os jornalistas que fazem dentro do país o que Assange faz no exterior”, aponta. “Correa processa judicialmente quem faz denúncias contra seu governo. É uma pessoa de duas caras, incongruente.”

Um divisor de águas no Equador e no continente
O Equador é um dos únicos países da América do Sul, junto com o Chile, que não faz fronteira com o Brasil. Mas também é tocado pela floresta amazônica, além de ser cruzado pela cordilheira dos Andes, banhado pelo Pacífico e ter o privilégio de administrar as Ilhas Galápagos. Essa paisagem diversificada, concentrada num território pouco maior que o estado de São Paulo (283 mil km2), faz com que o Equador seja um dos países de maior biodiversidade do mundo. 
Aqui habitam 15 milhões de pessoas. A maior cidade é Guayaquil, com 2,4 milhões, seguida pela capital Quito, com 2,2 milhões. Seis milhões de equatorianos vivem na zona rural, dos quais 40% em condições de pobreza. Os indígenas são 10% da população e suas entidades formam o movimento social mais importante do país. A economia é fortemente baseada no petróleo. Diferente do Brasil, porém, o petróleo equatoriano se encontra na região amazônica, o que tem trazido problemas ambientais à floresta e seus habitantes. De acordo com estudos geológicos, as reservas do país começarão a minguar há cerca de 25 anos. Isso fez com que o presidente Rafael Correa começasse a abrir as portas do país à mineração industrial, também prioritariamente na Amazônia.
Após seis anos de governo, Correa é favorito para ganhar nas eleições amanhã (17) mais quatro anos de mandato. Seu favoritismo se deve à aprovação de uma nova Constituição, em 2008, além de amplas reformas realizadas por sua administração nos sistemas de saúde, seguridade social, educação e infraestrutura do país. A taxa de desemprego atual beira os 6%. 
Em resumo, Correa foi o primeiro presidente em décadas a investir o dinheiro obtido com a exportação de petróleo em programas sociais e na redução das desigualdades. As eleições do domingo serão o nono processo de consulta pública, entre referendos e eleições, a que se submete o presidente e seu partido. Até agora, venceu todos.
Sua reeleição representará uma continuidade aos processos de integração na América Latina, e ganhará relevância agora que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, maior entusiasta da chamada “Pátria Grande”, ainda luta contra um câncer e não se sabe se resistirá ao tratamento que realiza em Cuba há pouco mais de dois meses. Sua vitória significa a permanência do Equador em iniciativas como a Aliança Bolivariana para as Américas, Alba, na União de Nações Sul-Americanas, Unasul, e a disposição do país em ingressar para o Mercosul.

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