Gutiérrez repete discurso da ‘ética’ para retomar projeto neoliberal no Equador

Candidato do PSP disputa pela terceira vez presidência do país que governou entre 2003 e 2005. Se vencer, pretende retirar-se da Alba e rever o asilo concedido a Julian Assange

Gutiérrez e sua candidata a vice, Pearl Boyes, fazem o nº 3, que representa a chapa na cédula eleitoral (Foto: Facebook Lucio Gutiérrez)

Quito – O candidato do Partido Sociedade Patriótica (PSP) à Presidência do Equador, Lucio Gutiérrez, fala sem rodeios e atende a imprensa sem a intermediação de assessores. Talvez porque já traga seu discurso decorado frase por frase, talvez porque não tenha muito a perder. Faltando poucos dias para as eleições, que ocorrem no própixmo domingo (17), Guitérrez aparece com apenas 5% da preferência dos equatorianos, segundo as pesquisas de intenção de voto. Ainda assim, na entrevista concedida ontem (13) à Rede Brasil Atual, demonstrava uma certeza inquebrantável:

“Vencerei o primeiro turno e passarei ao segundo para devolver a paz, a equidade, a seguridade e a unidade nacional que perdemos no Equador”, prevê. “Também trarei de volta a ética e a moral que foram pisoteadas pelo governo”, acrescentou, repetindo propostas que são essencialmente as mesmas que apresentou em 2009, quando foi derrotado pelo atual presidente Rafael Correa.

 Lucio Gutiérrez não é novato na política equatoriana. Aos 56 anos, esse coronel reformado do Exército já passou pelo Palácio de Carondelet em duas ocasiões. A primeira foi muito rápida. Fez parte de um triunvirato que, em 2000, ocupou o governo do Equador por apenas uma noite, depois que movimentos sociais e setores das Forças Armadas derrubaram o então presidente Jamil Mahuad.

O país vivia épocas difíceis, mergulhado numa crise econômica que forçou milhões de equatorianos a emigrar para os Estados Unidos e Europa. Acordos com o Fundo Monetário Internacional obrigaram o governo a abrir mão de sua moeda própria, o sucre, e adotar o dólar como meio de circulação monetária – herança que dura até hoje.

Em 2003, após criar o PSP e aproximar-se de Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, Gutiérrez seria eleito presidente do Equador. Não sabia, porém, que teria em 2005 o mesmo destino de seu antecessor. “Cometi alguns erros na época”, reconhece. Agora, oito anos depois de sofrer um golpe de estado, o candidato admite que não deveria, na ocasião, ter nomeado certos parentes para assumir cargos públicos nem ter “metido a mão” na Justiça para alcançar alguns objetivos políticos.

“Mas quero deixar claro que nenhum dos meus parentes entrou para roubar. Nem sequer foram acusados de receber dinheiro ilícito”, ressalva.

Quando perdeu o poder e fugiu do país para, como costuma dizer, “evitar derramamento de sangue”,  Gutiérrez conseguiu asilo político no Brasil graças a seus contatos com Lula, então titular do Planalto. Mas ficaria pouco tempo em Brasília. Partiu para os Estados Unidos e depois regressou ao Equador – e à política.

Em 2009, concorreu novamente à presidência. Fez, segundo ele mesmo conta, uma campanha improvisada, pois demorou para entrar na disputa. A hesitação, estima, teria lhe custado muitos votos. Ainda assim, obteve 30% do apoio eleitoral dos equatorianos – e a segunda colocação na corrida presidencial.

Desta vez, porém, todas as pesquisas de opinião o colocam em terceiro lugar, com aproximadamente 5% das preferências. O presidente Rafael Correa, candidato à reeleição, aparece bem à frente, sempre com mais de 50%, seguido pelo o ex-banqueiro Guillermo Lasso, variando de 10% a 20%.

“Essas previsões estão equivocadas”, contesta. “Não existe motivo lógico e racional que faça com que eu tenha menos de 30% dos votos válidos neste país. Nossas pesquisas internas apontam que terei uma votação de no mínimo 40%.” Cálculos à parte, o candidato do PSP se diz preocupado com possíveis fraudes.

Desconfiança

Suas queixas não são novidade. Em 2009, após o início da apuração e a divulgação dos primeiros resultados mostrando a vitória de Rafael Correa, Gutiérrez chamou a imprensa para denunciar que a disputa havia sido “roubada” e que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão responsável por realizar a “festa da democracia” no Equador, não teria cumprido adequadamente suas funções.

Quatro anos depois, o discurso é o mesmo. “Obviamente, estamos muito preocupados com os rumores de que novamente o governo possa fraudar o pleito”, declarou à RBA. “Todos os funcionários do CNE são ex-empregados do presidente. Não existe ninguém independente lá dentro.”

O candidato desqualifica também os observadores internacionais. “Não confiamos nas pessoas que vieram acompanhar a votação. São todos amigos de Rafael Correa”. Estão no país delegados da Organização dos Estados Americanos (OEA), União de Nações Sul-Americanas (Unasul), da Liga Árabe, entre outros.

“É uma observação superficial, não fazem auditorias nos computadores do CNE, por exemplo”. Para Gutiérrez, a presença de membros da comunidade internacional não adianta muito. “É como um médico que só olha o paciente de fora e pensa que está saudável. Mas não está.”

Retorno ao passado

Enquanto a contagem não começa, porém, o militar segue propagandeando suas propostas para o país. As ideias de Gutiérrez podem ser resumidas numa volta a sua administração como presidente da República. Em 2009, o mote de sua campanha era “Com Lucio estávamos melhor” – estratégia que continua intacta, embora com outros motes.

“Proponho fazer as mesmas coisas que fiz em meu primeiro governo, agora com mais experiência e conhecimento. Comigo o Equador teve o maior crescimento econômico de sua história recente, cerca de 9% ao ano, e a mais intensa redução de pobreza, que baixou 4%. Houve total estabilidade econômica e os preços não subiam”, discursa.

Ainda assim, Gutiérrez não conseguiu ficar mais de dois anos e meio no poder. E um dos culpados, para ele, foi o venezuelano Hugo Chávez, que teria conspirado contra seu governo depois que ele se negou a abraçar o “socialismo do século 21” que emanava de Caracas.

Uma eventual vitória de Gutiérrez traria de volta propostas do período em que a doutrina neoliberal dominava não só o Equador, mas toda a América do Sul. Entre elas está um projeto que não conseguiu levar adiante quando exerceu a presidência: assinar um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, acordo que, agora, pretende estender também à União Europeia.

Tratados como este foram rejeitados pelos atuais governos sul-americanos, que preferiram fortalecer o Mercosul e negociar em bloco com as grandes potências econômicas.

Outra decisão seria deixar imediatamente a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), bloco que passou a contar com a participação do Equador em 2009, e ao qual também estão filiados Bolívia, Venezuela, Cuba e Nicarágua. “É um clube ideológico que promove um sistema corrupto e totalitário. Precisamos de mais democracia e direitos humanos, e o modelo da Alba concentra cada vez mais poder nas mãos de seus presidentes”, ataca.

Assange revisado

Quem provavelmente também se daria mal com uma eventual vitória de Lucio Gutiérrez seria o criador do WikiLeaks, Julian Assange, que se encontra refugiado na embaixada do Equador em Londres depois de conseguir do governo de Quito asilo diplomático. Assange foi um dos responsáveis pela divulgação de telegramas diplomáticos que em 2010 colocaram as relações internacionais dos Estados Unidos em maus lençóis. Em seguida, foi acusado pela Justiça sueca de ter supostamente abusado de duas mulheres em Estocolmo. O ativista nega as denúncias, mas passou a ser perseguido desde então.

“Gostaria de reanalisar o asilo concedido ao sr. Assange”, adianta o candidato. “Por um lado, temos de protegê-lo porque ele está apenas exercendo sua liberdade de expressão, mas devemos colocar na balança também o direito das moças que possivelmente foram estupradas.”

Internamente, a principal proposta do PSP é transformar o país num paraíso para os investidores internacionais. No discurso de campanha, Gutiérrez fala malabarismo para associar a ideia às questões de segurança pública.

“Para reduzir a delinquência, temos de criar trabalho. E, para criar trabalho devemos ter regras do jogo bem claras para atrair empresas estrangeiras. Em 2004, éramos um dos lugares do mundo que mais recebia investimentos.”

Gutiérrez bate forte na tecla de que o Equador estaria virando território do crime organizado – graças a Rafael Correa, claro. Daí que pretende voltar a pedir visto para todo aquele que queira entrar no país, por qualquer motivo. O candidato é também contrário ao casamento de pessoas do mesmo sexo.

É com essa carta de princípios – e após ter percorrido todo o país em campanha permanente há anos, aproveitando-se da estrutura enraizada de seu partido, que chega aos rincões mais afastados – que Gutiérrez pretende vencer. “Temos bons argumentos e propostas muito firmes. Estou otimista e tenho certeza de que teremos um bom resultado.”

Leia também

Últimas notícias