Arbitrariedade

Advogados de brasileiro ameaçam processar Reino Unido por prisão ilegal e roubo

David Miranda, enquadrado em lei antiterrorismo, teve seus pertences roubados pelas autoridades do país

Gleen Greenwald/Facebook

Greenwald (e) e o seu companheiro, David Miranda, que ficou retido em aeroporto de Londres por nove horas

São Paulo – Os advogados de David Miranda anunciaram hoje (20) que irão processar o governo britânico pela detenção “ilegal” a que submeteram o brasileiro na madrugada de ontem, no aeroporto de Heathrow, em Londres, caso seus pertences não sejam devolvidos e seu conteúdo seja violado.

Miranda, que ficou retido numa sala do terminal londrino por nove horas, mora no Rio de Janeiro, onde vive com seu companheiro, Glenn Greenwald, jornalista norte-americano que trabalha com o técnico de informática Edward Snowden na revelação de documentos que comprovam o sistema de espionagem construído pelos Estados Unidos para vigiar as comunicações eletrônicas de pessoas, empresas e governos ao redor do mundo.

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Miranda teve os equipamentos – celular, computador, pen drives, DVDs e até um videogame portátil – confiscados pelas autoridades britânicas. A polícia acredita que o brasileiro trazia documentos sigilosos da inteligência dos Estados Unidos. Essas informações lhe teriam sido repassadas pela documentarista norte-americana Laura Poitras, que trabalha com Greenwald, e quem Miranda visitou em sua passagem por Berlim, na Alemanha.

Os advogados do brasileiro enviaram uma carta à ministra do Interior, Theresa May, e para o chefe da polícia metropolitana de Londres, Bernard Hogan-Howe, em que exigem a devolução dos aparelhos apreendidos dentro do prazo máximo de sete dias estabelecido em lei. Eles esperam que nenhuma informação armazenada nos dispositivos seja “inspecionada, copiada, violada, transferida, distribuída ou interceptada, em hipótese alguma”.

Caso os equipamentos já tenham sido devassados, o que provavelmente ocorreu, os advogados afirmam que as autoridades não podem cedê-la a terceiros, dentro ou fora do país. Caso as exigências não sejam cumpridas até a próxima terça-feira (27), os representantes de Miranda afirmam que não terão outra opção a não ser procurar a justiça.

Intimidação

A polícia britânica utilizou a Lei Antiterrorismo para reter o brasileiro, interrogá-lo por nove horas, impedi-lo de ser assistido por um advogado, ligar para familiares e roubar-lhe os pertences. Glenn Greenwald, seu parceiro, classificou o episódio como uma tentativa de intimidar o trabalho que realiza junto a Edward Snowden.

“De acordo com um documento publicado pelo governo do Reino Unido sobre a Lei Antiterrorismo, ‘menos de três em cada 10 mil pessoas são interrogadas quando passam pelas fronteiras britânicas’ (David não estava entrando no Reino Unido, mas apenas transitando pelo aeroporto com destino ao Rio de Janeiro). Além disso, ‘a maioria dos interrogatórios, mais de 97%, dura menos de uma hora’”, escreveu Grenwald em seu blogue. “Um apêndice desse documento atesta que apenas 0,06% das pessoas detidas são retidas por mais de seis horas.”

As autoridades britânicas, porém, justificou hoje sua atitude dizendo que o governo e a polícia “têm o dever de proteger as pessoas e a segurança nacional”, de acordo com porta-voz do Ministério do Interior, que reforçou a ideia de que Miranda, apesar de não ser um terrorista, poderia sim ter sido enquadrado na Lei Antiterrorismo. “Se a polícia acredita que um indivíduo está em posse de informação roubada altamente sensível que poderia ajudar ao terrorismo, então deve atuar, e a lei proporciona jurisdição para isso.”

Imprensa

Também hoje, a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) criticou as autoridades britânicas por ameaçarem o jornal The Guardian, onde trabalha Greenwald, com ações judiciais se o veículo não destruir todos seus documentos relacionados com os vazamentos de informação do ex-técnico dos serviços secretos americanos Edward Snowden. “Essa ameaça de destruir documentos e sua execução sob vigilância de oficiais da inteligência é um ataque extremamente grave contra a liberdade de informação em um país que se orgulha de ter uma das imprensas mais livres do mundo”, declarou em comunicado o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.

O diretor do The Guardian, Alan Rusbridger, revelou que teve vários encontros com “figuras misteriosas de Whitehall (escritórios do governo)” nas quais lhe pediram que “destruísse todo o material relacionado com Edward Snowden”. Rusbridge disse também como dois agentes supervisionaram a destruição de discos duros do periódico. “Estamos profundamente surpresos com a crueldade do governo britânico contra o trabalho dos jornalistas do Guardian”, acrescentou a RSF, organização pela liberdade de imprensa com sede em Paris, lembrando que a revelação ocorre apenas um dia depois de David Miranda ter sido retido em Heathrow.

“Se os governos do Reino Unido e dos Estados unidos acreditam que táticas como estas vão nos intimidar de continuar publicando reportagens sobre os documentos, estão completamente enganados: vai apenas nos fortalecer”, avisou Greenwald em seu blogue. “A cada vez que os governos norte-americano e britânico demostram sua verdadeira face ao mundo – quando impedem o presidente boliviano Evo Morales de regressar a seu país, quando ameaçam jornalistas de processo, quando eles se comportam como se comportaram agora – tudo isso ajuda a revelar por que é perigoso permitir-lhes o exercício de tamanho poder de espionagem.”

Com informações da Efe, The Guardian, Independent e Opera Mundi