Terror

Justiça argentina condena ex-militares à prisão perpétua por ‘voos da morte’

Durante a ditadura, parte dos presos políticos foram postos em aviões e jogados ainda vivos ao mar

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Talvez o mais conhecido ator argentino, Ricardo Darín protagonizou filme que abordou o drama dos 'vuelos de la muerte'

São Paulo – A Justiça argentina condenou nesta semana quatro ex-militares envolvidos nos chamados “voos da morte” durante a mais recente ditadura naquele país (1976-1983). Assim, o Tribunal Oral Federal 2, de San Martins, sentenciou à prisão perpétua os ex-comandantes Santiago Omar Riveros e Luis del Valle Arte e outros dois oficiais – Delsis Malacalza e Eduardo Lance – pelos crimes de privação ilegal da liberdade, tortura e homicídio.

Nos vuelos de la muerte, presos políticos eram embarcados em aviões e jogados, ainda vivos, ao mar. No julgamento, o tribunal considerou provada a ocorrência desses voos, que saíam da instalação militar de Campo de Mayo, nos arredores de Buenos Aires. Era um centro clandestino de detenção conhecido como El Campito. Supervisor do local, Riveros já acumula 16 condenações.

Plano de extermínio

Foi a primeira vez que uma sentença reconhece os “voos da morte” como mecanismo de extermínio do Exército. Em 2017, segundo o jornal espanhol El País, seu uso foi considerado provado, após a condenação de dois pilotos. “As condenações fizeram parte, então, do veredito do maior julgamento da história da Argentina, a chamada megacausa da ESMA, com 54 indiciados pelos delitos cometidos contra 789 vítimas”, lembra o período. A Escola de Mecânica da Armada (Esma) foi o maior centro de tortura da ditadura argentina. Hoje, abriga um espaço destinado à preservação da memória.

Julgamento de militares na Argentina: a história se revela (Foto: Télam)

Os juízes solicitaram que sejam feitos exames médicos para determinar se três dos condenados podem cumprir a sentença em cárcere comum. Atualmente, estão em prisão domiciliar. O tribunal determinou ainda que se aprofundem as investigações sobre quem atuou como piloto e copiloto naqueles vuelos.

Lado obscuro da história

A suspeita é de que com esse mecanismo o Exército sumiu com grande parte dos 4 mil presos que passaram por El Campito. Mas o julgamento, que começou em 2020, baseado em testemunhos de soldados, se concentrou em casos de quatro desaparecidos, cujos restos mortais foram encontrados na orla: Juan Carlos Rosace, Adrián Accrescinbeni, Roberto Arancibia e Rosa Eugenia Novillo Corvalán. Sequestrados entre 1976 e 1977, eles torturados, drogados e jogados ao mar ou no Rio da Prata, na região entre a Argentina e o Uruguai.

Essa passagem sinistra da história da repressão sul-americana foi retratada em filme recente (2016) com um astro do país vizinho. Em Kóblic, Ricardo Darín é um ex-capitão atormentado com as ações das quais participou durante a ditadura.

“Neste julgamento foi possível conhecer publicamente um dos lados mais obscuros da história argentina”, afirmou ao jornal Página 12 Mercedes Soiza Reilly, que representou o Ministério Público. “A aviação do Exército cumpriu um papel central e foi o nexo causal essencial para concluir o plano sistemático de extermínio.”

Assista ao trailler de Kóblic:

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