Nova Constituição

Depois do plebiscito, mídia mundial ainda terá Chile como ‘exemplo’?

Após plebiscito histórico, movimentos populares se preparam nas ruas para não permitir que nova Constituição seja escrita pelas oligarquias do Chile

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Não à previdência privatizada. Depois de quatro décadas de Constituição neoliberial, chilenos saem às ruas para reescrever sua história

São Paulo – Uma nova Constituição está por ser escrita. Foi o que decidiram 79% dos eleitores no plebiscito histórico do último domingo (25) no Chile. Histórico porque foi conquistado nas ruas e terá 100% de congressistas eleitos em 2021 exclusivamente com essa finalidade. Metade será de homens e a outra metade, mulheres. A Constituição chilena a ser promulgada em 2022 será “apenas” a quarta edição de uma Carta Magna no país. A primeira é de 1853, a segunda de 1920 e a terceira de 1980. Todas escritas pelas oligarquias. O que torna a próxima Constituição chilena histórica, também, por ser a primeira conquistada de maneira cidadã. E pelo que vem sendo demonstrado nas ruas do Chile desde um ano antes do plebiscito de domingo, os setores populares não permitirão ser excluídos desse processo.

A convicção é do sindicalista bancário chileno Luis Mesina, secretário-geral da confederação bancária do Chile. Ele também é porta-voz nacional da coordenação do No Más AFP – o movimento “Não mais às Administradoras de Fundos de Pensão” responsáveis pelo “vergonhoso” sistema privado de aposentadorias imposto ao país em 1980. “Metade das aposentadorias que se pagam no Chile, especialmente às mulheres, representam um décimo do salário mínimo do país”, disse Mesina, em entrevista concedida esta semana a Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual.

O cientista político Paulo Níccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, lembra que o atual ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes, atuou como auxiliar do governo Pinochet quando este transformou a previdência social em mercadoria e tornou-se “modelo” para o mundo neoliberal. E provocou: “(Depois desse plebiscito no Chile) quero ver agora dizerem que o Chile seja modelo e termômetro para a América Latina”, disse, citando o país como forte exemplo de esgotamento do neoliberalismo.

Crimes de Piñera

“O que acontece no Chile é que há um ano existe uma revolta popular intensa que ninguém esperava. E por isso a imprensa do continente e da Europa está assombrada. E diferentemente do que todos dizem, o Chile não tem o melhor modelo. Foi um modelo falso, construído sob a mais absoluta desigualdade social. Por isso o Chile foi um país que cumpriu a receita, continuou com as privatizações a partir do Consenso de Washington”, explicou Luiz Mesina. “Foi o país que durante os anos 1990 assinou o maior número de tratados de livre comércio, permitindo a livre movimentação de capital na região. O Chile garantiu investimento estrangeiro, claro. Mas ao preço de ter como base as pessoas desprovidas de direitos.”

Segundo o sindicalista bancário, o Chile de Pinochet passou a “cortar gasto público” com obrigações sociais do Estado, mas acabou transferindo esse gasto público para o setor privado. “Na prática, como bem sabemos, quando o setor privado atua no campo dos direitos sociais, busca fundamentalmente o lucro. Portanto, direitos sociais foram se convertendo em direitos de mercado, porque para adquiri-los era preciso ter dinheiro”, relata Mesina, explicando como direitos como saúde e educação se deterioraram “completamente”.

Depois de conquistar o plebiscito e a convocação da Constituinte, os movimentos populares chilenos lutam ainda para que o presidente Sebastián Piñera seja denunciado e processado no futuro por crimes contra a humanidade. Torturas, assassinatos, tiros nos olhos de manifestantes – centenas deles perderam a visão –, incêndios provocados pelo próprio aparato repressor militar são citados entre as agressões pelas quais o chefe de governo ainda terá de ser responsabilizado.

Confira a entrevista na íntegra