Tensões

Na Bolívia, Áñez persegue líderes da resistência e abre caminho para opositor de Morales

Governo interino assina acordo para "pacificar" o país, sem apurar crimes cometidos pela repressão. Chilenos e colombianos permanecem nas ruas

reprodução/COB
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Acordo quer dar "ar de normalidade" a governo ilegítimo, segundo Chamorro

São Paulo –Sem prever punição, nem sequer a criação de uma espécie de “comissão da verdade” para apurar os crimes cometidos pelas forças de segurança que resultaram em dezenas de assassinatos, o governo da Bolívia, liderado pela autoproclamada presidenta Jeanine Áñez, assinou acordo com a Central Obreira Boliviana (COB) e o Pacto de Unidade, que reúne outras organizações sindicais e indígenas, com vistas encaminhar a realização de novas eleições. A ideia é interromper os protestos populares contra o golpe que levou à renúncia de Evo Morales e colocar fim à violência que se seguiu no país. Para o consultor e analista internacional Amauri Chamorro, trata-se de uma tentativa de dar legitimidade a um governo golpista, que busca cooptar as organizações sociais.

Segundo ele, ainda prosseguem as perseguições a lideranças de esquerda ligadas ao partido do ex-presidente Evo Morales, citando, como exemplo, a decretação de uma ordem de prisão ao ex-ministro Juan Ramon Quintana Taborga, acusado de terrorismo. Outras dezenas de lideranças políticas permanecem na Embaixada do México, a espera de salvo-conduto para deixarem o país.

Chamorro criticou a COB por tentar desmobilizar os protestos que cobram a restituição do Estado de direito na Bolívia, e lembrou que o próprio Congresso do país não reconhece Áñez como legítima presidenta. Seu papel seria abrir caminho para a vitória de Carlos Mesa, que disputou as eleições contra Morales. “O que Carlos Mesa quer é que ninguém possa participar por parte da esquerda para que ele seja praticamente um candidato único. Para isso, está utilizando o governo golpista que tem essa função, uma espécie de governo transitório”, afirmou à jornalista Marilu Cabañas, para o Jornal Brasil Atual, nesta terça-feira (26).

Ele também criticou a Organização dos Estados Americanos (OAE) e do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU pelo silêncio diante da violência cometida pelas forças do governo para reprimir a população. “Há uma tentativa de dizer que já está tudo bem, com o agendamento de eleições, pregando o fim da violência. O que não tem sentido. Primeiro porque a violência é gerada pelo Estado, e não pela população. Segundo, a população está na rua defendendo a Constituição e o Estado de direito”, afirmou.

Colômbia e Chile

Segundo Chamorro, na Colômbia a situação do presidente Iván Duque “está se complicando cada vez mais” na medida em que as manifestações contra o governo não dão sinais de arrefecer. Nesta segunda-feira (25), ocorreu a morte do estudante Dylan Cruz, de 18 anos, que foi atingido no sábado (23) por uma bomba lançada pelas forças policiais colombiana. O rapaz,  que esse ano teve negado o crédito para financiar a faculdade, tornou-se um dos símbolos do protesto.

No Chile, os manifestantes também continuam nas ruas, mesmo após o governo do presidente Sebastián Piñera propor a realização de uma nova Constituição. As “armadilhas”, segundo Chamorro, é que o governo quer que o atual Congresso exerça a função de assembleia constituinte, e que um terço dos parlamentares tenham a prerrogativa de barrar mudanças constitucionais propostas pela maioria, o que representaria o abandono de diversas medidas adotadas a partir do modelo “neoliberal” e que impõem sofrimentos à população.

Assim como na Bolívia, afirma o especialista, trata-se de um processo de “pacificação”, uma tentativa de encerrar os protestos surgidos a partir das mobilizações populares.  “Paz, sem justiça social, é pacificação.”

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