América ofendida

Protestos na Colômbia: ataques a direitos e violência militar levam a marchas históricas

Por que o fracasso do neoliberalismo causa a maior marcha popular da história da Colômbia. A análise de Amaury Chamorro, que conta ainda como a reação popular salvou a vida de Evo Morales

Alberto Acero/Twitter/Reprodução
Alberto Acero/Twitter/Reprodução
Das gigantescas manifestações de 2019 às eleições de 2022, Colômbia se movimenta por uma mudança inédita em seu rumo político

São Paulo – As medidas econômicas e a violência militar desencadearam a maior marcha popular na história da Colômbia nesta quinta-feira (21). Houve manifestações nas principais cidades do país, como Bogotá, Medellín, Cali, Barranquilla, com mais de 100 mil pessoas cada uma. E em todas as capitais estaduais, dos chamados departamentos, ocorreram protestos que reuniram multidões, avaliadas em um milhão de pessoas pela imprensa local.

Trabalhadores, estudantes, e até setores de classe média alta saíram à ruas contra o governo de Ivan Duque, informa o jornalista Amaury Chamorro, especializado em América Latina, em comentário na Rádio Brasil Atual. As tentativas de reforma trabalhista que afetam brutalmente a juventude, dificultam o acesso dos trabalhadores à aposentadoria e ordem governamental para emprego da violência militar contra o povo são os motores dessa histórica reação de toda a sociedade. Não se trata de uma greve geral convencional, mas de um dia nacional de paralisações e protestos.

O governo tenta impor uma redução salarial de 70% dos salários dos trabalhadores com menos de 25 anos e a elevação da idade mínima para o acesso à previdência oficial. E o que foi decisivo para a mobilização social desta quinta-feira foi um bombardeio do Exército numa região de confronto com as Farc – que voltaram à luta armada por quebra de acordo de paz pelo governo. Foram mortas 18 crianças com menos de 15 anos, fato que o governo tentou esconder da população.

“O modelo neoliberal adotado pela Colômbia não traz respostas às demandas da população, está desgastado e isso influencia demais a movimentação da sociedade, como no Equador e no Chile.”

Vida de Evo por um fio

Amaury Chamorro visitou o presidente deposto pelo golpe na Bolívia, Evo Morales, em situação de exílio no México. A ele, Evo descreveu alguns momentos cruciais em que sua vida esteve por um fio antes de conseguir deixar o país em direção ao asilo político mexicano. Um quando chegou de avião em Cochabamba, pouco antes de deixar o país. Como a aeronave estava cercada de maneira suspeita por militares, decidiram não desembarcar.

Evo só saiu do avião, acompanhado do vice, José García Linera, escoltado pela população. Outro momento agudo foi quando lhe exibiram ofertas de recompensa de US$ 50 mil disparadas pelos golpistas por WhatsApp para quem o matasse. “Evo só está vivo graças à reação popular e à resposta solidária do governo mexicano que o acolheu”, diz Chamorro.

O analista se surpreende com os meio de comunicação da Bolívia e do mundo que procuram naturalizar a renúncia forçada de Evo Morales e não tratar a crise boliviana como um golpe. “Existe ali violência típica de golpe militar. Há ainda muita gente nas ruas, e não apenas na capital, La Paz. Há uma paralisação geral. Os militares não esperavam deparar com a resistência social como a que está ocorrendo. E a mobilização não vem do partido de Evo Morales. É uma mobilização cidadã, contra o que pode ser considerado o primeiro golpe de Estado evangélico no mundo”, explica.

“Igrejas neopentecostais estão por trás da organização paramilitar que saiu à rua para assassinar, ameaçar e queimar casas de dirigentes do partido de Evo, integrantes do governo e do parlamento e também de sindicalistas, com objetivo de cortar a cabeça de qualquer tipo de organização de reação ao golpe.”

Segundo o analista, a sociedade civil, em grande parte formada pelas várias nacionalidades indígenas, segue nas ruas para defender o Estado de direito e também suas etnias, já que se trata também de um golpe racista. É uma ditadura neopentecostal, ele ressalta, tentando acabar com essa fortaleza de plurinacionalidades que chegou ao poder na década passada e fez um dos melhores governos da história da América Latina.

As elites econômicas, prossegue Chamorro, indispostas a dividir o poder, se aliaram ao fundamentalismo religioso, com o apoio do Estados Unidos, para promover um verdadeiro massacre, e a população não está disposta a ceder ao golpe, que a mídia mundial, inclusive a brasileira, não trata como golpe. “Qualquer pessoa que não considere o que está ocorrendo na Bolívia como golpe, ou está mentindo ou é totalmente ignorante.”

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