‘Vivemos um consenso sem Washington’, diz Rafael Correa

Em entrevista ao criador do WikiLeaks, presidente do Equador comemora queda da influência dos EUA na América Latina e advoga a favor da democratização dos meios de comunicação

“Vivemos uma mudança de época, e não uma época de mudanças”, defende o presidente equatoriano (Foto: Divulgação/Presidência do Equador)

São Paulo – “Não vá ser assassinado”, pediu o criador do WikiLeaks, Julian Assange, ao presidente do Equador, Rafael Correa, após entrevistá-lo para seu talk show The World Tomorrow. “É o que tento evitar todo dia”, garantiu o líder latino-americano.

A conversa foi transmitida pelo canal Russia Today e colocada à disposição no YouTube na última terça-feira (22). É o sexto episódio do programa televisivo estrelado por Assange em sua prisão domiciliar, na Inglaterra, onde bate papos descontraídos com políticos, ativistas e intelectuais de todo o mundo com a ajuda da internet.

Rafael Correa respondeu perguntas sobre as relações – por vezes atribuladas – entre Equador e Estados Unidos, liberdade de expressão, populismo, golpe de Estado e meios de comunicação. O bate-papo alternou discussões sérias com tiradas irônicas de ambos os lados, e foi interrompido várias vezes por risadas. Por exemplo, quando o criador do WikiLeaks perguntou ao presidente porque desalojou as instalações militares que Washington mantinha no Equador. “É simples”, respondeu. “Permito a existência de uma base norte-americana em Manta quando pudermos instalar uma base equatoriana em Miami.”

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Julian Assange ouviu Rafael Correa elogiar o trabalho do WikiLeaks, que vazou milhares de telegramas diplomáticos dos Estados Unidos em 2010. As revelações, disse, só fortaleceram seu governo. “As grandes acusações da embaixada eram o excessivo nacionalismo e defesa da soberania de nossa administração”, ironizou. “Por outro lado, muitos documentos falavam dos interesses dos meios de comunicação e grupos políticos nacionais, que frequentemente vão pedir ajuda à embaixada.”

Foi a deixa para que o presidente falasse da batalha que o governo trava com o monopólio da mídia no país: um dos principais embates políticos de sua gestão. Usando como exemplo as revelações do WikiLeaks, Rafael Correa lembrou que a grande imprensa equatoriana só divulgou as informações que lhe convinham – mantendo em segredo as que contrariavam seus interesses. Assange revelou que teve o mesmo problema com os grandes jornais que fecharam parceria com o Wikileaks para a divulgação dos primeiros documentos: New York Times, El País, Dier Spiegel, Guardian e Le Monde.

“Os únicos limites à liberdade de expressão e informação estão definidos pelos tratados internacionais e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: a honra e a reputação das pessoas, e a segurança das pessoas e do Estado”, definiu Rafael Correa. “Todo o resto, quanto mais gente conheça, melhor.” O presidente prosseguiu lembrando que, quando assumiu o poder, havia sete canais de tevê no Equador – todos privados. Mais que isso, cinco deles pertenciam a banqueiros.

“Imagine se eu quisesse tomar qualquer medida contra os bancos para evitar a crise e os abusos que estão acontecendo na Europa?”, replicou. “Aqui o poder midiático tem sido um grande eleitor, legislador e juiz, submetendo governos, presidentes e cortes de justiça.” Por isso, Rafael Correa defendeu seu projeto de lei que pretende democratizar a comunicação no Equador. A ideia é destinar 1/3 do espectro radioelétrico para a iniciativa privada, para fins lucrativos; 1/3 para organizações comunitárias; e 1/3 para o poder público, em todos os níveis. “Queremos dividir a propriedade dos meios, mas enfrentamos a acérrima oposição da grande imprensa.”

Finalmente, Rafael Correa explicou que a América Latina está vivendo uma mudança de épocas – e não uma época de mudanças – e que as transformações, para serem executadas, necessitam de lideranças. “Você imagina a independência dos Estados Unidos ou a recuperação da Europa no pós-guerra sem os líderes que tiveram?”, comparou o presidente. “Não estamos apenas administrando um sistema, estamos mudando um sistema, porque o que tínhamos até agora foi um fracasso total.”