cinema francês

Morre Jean-Luc Godard, mestre da Nouvelle Vague

“Ele deixa uma carreira repleta de obras-primas e mal-entendidos que o tornaram uma lenda durante sua vida”, diz jornal francês ‘Libération’

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Filho de família de banqueiros, Godard se afastou da vida que poderia ter tido e fez primeiro filme com o salário de um emprego como operário

São Paulo – “Cineasta total com mil vidas e uma obra tão prolífica quanto multiforme, a encarnação das contradições de uma arte em constante busca, Jean-Luc Godard morreu, soubemos nesta terça-feira, 13 de setembro, aos 91 anos. Ele deixa uma carreira repleta de obras-primas e mal-entendidos que o tornaram uma lenda durante sua vida.” Assim o jornal francês Libération começa o texto no qual informa que o cinema e a arte perderam o cineasta francês. Nascido em Paris em 3 de dezembro de 1930, o diretor franco-suíço teria escolhido morrer por suicídio assistido, o que é permitido na Suíça.

O Libération confirmou a notícia inicialmente informada pela família de Godard à agência France Presse. “O cineasta Jean-Luc Godard faleceu em 13 de setembro de 2022, anunciam sua esposa Anne-Marie Miéville e seus produtores. Não haverá cerimônia. Jean-Luc Godard faleceu pacificamente em casa, cercado por seus entes queridos. Ele será cremado”, disse o comunicado.

O principal criador do revolucionário cinema conhecido como Nouvelle Vague tinha 91 anos. Seu primeiro filme, Acossado (1960), inaugurou a era Godard. Tudo o que veio depois passaria a ser, na história do cinema, depois de Godard. Ele dirigiu Viver a Vida (1962), Alphaville (1965), Pierrot Le Fou (que no Brasil teve o péssimo título “O Demônio das Onze Horas” – 1965), Weekend (1967), Duas ou Três Coisas que eu Sei Dela, Elogio ao Amor (2000), Adeus à Linguagem (2014) e muitos outros.

A velha e triste Europa

Em Film Socialisme (2010), no estilo fragmentado e não linear característico do cineasta,  Godard cria uma discussão sobre a velha e triste Europa forjada por sangue e guerras, entre os passageiros de um cruzeiro no Mediterrâneo, ou entre pessoas comuns que vão aparecendo como se já fizessem parte da história desde sempre. A velha discussão francesa sobre liberdade, igualdade e fraternidade.

A narrativa se dá em torno do preço que tantos povos pagaram pela liberdade. “A Liberdade custa caro, mas não se pode comprá-la com ouro nem com sangue, mas com covardia, prostituição e traição”, ouve-se no filme.

Film Socialism passa em revista as mazelas e os sofrimentos que viveram Egito, Palestina, Odessa, Hellas (Grécia), Nápoles e Barcelona, como o pano de fundo por trás das imagens que vão se sucedendo como livre-associações, poemas e versos em forma de imagens. “O dinheiro foi inventado para que os homens não se olhem nos olhos”, ouvimos também.

A frase é emblemática. Filho de uma rica família de banqueiros suíços, Godard se afastou da vida que poderia ter tido. Com o salário de um emprego como operário, financiou seu primeiro filme completo, Operation Béton (1958), um documentário.

“Você gosta de Jean-Luc Godard?”

O que comove e fascina em Godard é o cinema como manifestação pura e espontânea, livre das amarras “clássicas” da narrativa, hollywoodiana ou não, despojado, visceral e revolucionário. Sua obra é um contraponto ao estilo mais clássico de François Truffaut na Nouvelle Vague.

Outro gênio inquieto do cinema, e contemporâneo de Godard, o brasileiro Glauber Rocha escreveu certa vez, entre os apontamentos que foram reunidos no livro O Século do Cinema: “Você gosta de Jean-Luc Godard? (Se não está por fora).”