Sobreviventes

Encenação de ‘Antígona na Amazônia’ une tragédia grega e massacre de sem-terra

Diretor suíço preparou versão de “Antígona”, de Sófocles, com MST e ativistas indígenas. Encenação estreia nesta segunda, no local do massacre de Eldorado dos Carajás

Fernando Nogari/Divulgação
Fernando Nogari/Divulgação
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São Paulo – Uma encenação que une tragédia grega a um massacre de trabalhadores sem-terra vai estrear na próxima segunda-feira (17), às 9h, em plena Rodovia Transamazônica. O diretor teatral suíço Milo Rau preparou nova versão de Antígona, de Sófocles, ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ativistas indígenas da Amazônia

Assim, segundo os responsáveis pela peça, o ponto alto de Antígona na Amazônia é a encenação do próprio massacre, no mesmo local, a chamada Curva do S. E fará parte da cerimônia anual em memória dos mortos no massacre de Eldorado dos Carajás (PA), em 17 de abri de 1996, quando 21 trabalhadores rurais foram assassinados por policiais.

O papel de Antígona caberá à atriz e ativista Kay Sara. O coro é formado por sobreviventes e famílias, que vivem no Assentamento 17 de abril. O vidente cego Tirésias, da peça original, será vivido pelo ambientalista e escritor Ailton Krenak.

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Encenação de Antígona na Amazônia vai incluir sobreviventes do massacre e ativistas (Foto: Armin Smailovic/divulgação)

Temporada europeia

Depois da encenação na Amazônia, a peça faz sua estreia mundial em Gante (Bélgica), em 13 de maio. De 19 a 21, estará em Amsterdã. Participa do Festival de Viena (25 a 27) e segue para Frankfurt (Alemanha), de 1º a 4 de junho. Antígona também tem apresentações em Douai/Arras (França), em Roterdã (Holanda, dia 17) e Avignon (França), de 16 a 24 de julho. O trabalho será visto também na Suíça, Itália, Polônia, Portugal e Espanha.

Na peça, Creonte, que assume o poder em Tebas após uma sucessão de conflitos, não permite o enterro de Polinice, irmão de Antígona. Esta reage à arbitrariedade e ao desrespeito às leis divinas, correndo risco de morte. Segundo os responsáveis pela encenação atual, Milo Rau e sua equipe veem uma espécie de “fim de jogo” global no Pará, na Amazônia por extensão. Onde o futuro da humanidade é que está em jogo.

Com Antígona na Amazônia, o diretor conclui uma trilogia de mitos. Antes, havia encenado Orestes em Mosul (Iraque, antiga capital do Estado Islâmico), e O Novo Evangelho, no sul da Itália, filme de 2020 exibido na mostra Ecofalante.

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Rau (de costas) conversa com atores, em 2020, no início do projeto Antígona na Amazônia (Foto: Armin Smailovic/divulgação)

Ordem ocidental

“As tragédias gregas sempre me fascinaram, e Antígona é, sem dúvida, a mais famosa de todas”, afirma Rau. “Goethe a chama de ápice absoluto da poesia ocidental: cristalina e profética, insanamente complexa e ainda assim grotescamente simples. (…) Acho que a ‘ordem simbólica’ do Ocidente realmente precisa ser questionada e mudada de fora, das periferias do sistema capitalista. (…) Por que essa ‘“’apropriação’, por assim dizer, de Antígona pelo Brasil, pela Amazônia? Não haveria, invertendo o pensamento, muitas histórias da Amazônia que merecem ser trazidas para a Europa?”, questiona.

Ele conta que o projeto começou a partir de um encontro com os sem-terra, em 2019. Agora, com Antígona, afirma:

“Não estamos apenas criticando e adaptando Sófocles, estamos ocupando a peça, por assim dizer, assim como o movimento dos sem-terra ocupa a terra”

Ou seja, com os atores, as histórias e a sabedoria da Amazônia, acrescenta o diretor.

Encenação e ativismo

“Quando começamos o projeto, Bolsonaro ainda estava no poder. Douglas Estebam, um dos nossos dois dramaturgos brasileiros, trabalhou com Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido. Portanto, somos muito próximos em termos de nossa concepção geral de teatro, trabalhando com amadores, misturando encenação e ativismo”, diz Rau. Ele fala também em “apropriação dos mitos”, questão importante ao movimento.

“A Bíblia, a linhagem dos quilombos, o movimento operário e a história recente do Brasil. Especialmente, é claro, os massacres do poder do Estado, todos desempenham um papel em nossa interpretação de Antígona”, prossegue Rau. “Além disso, a questão de gênero e diversidade, que está muito presente em Antígona, é absolutamente central para o MST.”

Então, ele projeta uma confluência de roteiros. “A ideia de formar um coro de sobreviventes do massacre de 1996, mas também trazer ativistas dos quilombos e povos indígenas, negociando questões de gênero em pé de igualdade com as questões de terra, tudo isso é completamente lógico para o MST.”

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