Dinheiro alimenta interesses para ‘Garota de Programa’

A ação do filme se passa em outubro de 2008, quando os Estados Unidos começavam a sofrer com a crise e a ter esperança nas eleições presidenciais

Sasha Grey vive a protagonista Chelsea (Foto: Divulgação)

São Paulo- O título, “Confissões de uma Garota de Programa”, e a presença da badalada atriz de pornôs hardcore Sasha Grey podem levar a uma expectativa errônea em relação a esse filme ousado que, acima de tudo, aborda aquela máxima muito bem cantada no musical “Cabaret” – dinheiro é o que faz o mundo girar.

Não há cenas de sexo, mas há algo muito mais polêmico: pessoas comprando – ou acreditando que o fazem – outras pessoas.

Dirigido por Steven Soderbergh – que em sua carreira transita entre o cinemão, como a série “Onze Homens e um Segredo” e o mundo indie, como seu díptico sobre Che Guevara, ou o muito bom e pouco visto “Bubble” – “Confissões de uma Garota de Programa” segue alguns dias na vida de uma acompanhante de luxo em Manhattan, às vezes chamada de Chelsea, outras de Christine, mas talvez nenhum desses seja seu verdadeiro nome.

Um casal janta, vai ao cinema, passa a noite junto. Aparentemente, são namorados. Seria apenas um casal qualquer, não fosse o fato de que, na manhã seguinte, antes de ir embora, a moça recebe um envelope gordo com seu pagamento.

É exatamente isso que ela oferece: os serviços de uma namorada – que são diferentes dos de uma prostituta. Chelsea será a namorada que eles queriam ter. Ela pergunta sobre a mulher e filhos, vai à galeria de arte ajudar na escolha de um quadro, ouve muito o que eles têm a dizer e a noite não precisa necessariamente acabar em sexo.

“Eles pagam para você ser o que eles querem que você seja. Se eles quisessem que você fosse você mesma, não pagariam”, explica a protagonista. Pois esse comércio dos sentimentos e das emoções se mostra muito mais perigoso do que o sexo em si.

A ação do longa se passa por volta de outubro do ano passado, quando os Estados Unidos começavam a viver o desespero da crise e a euforia da esperança nas eleições presidenciais que se avizinhavam. Não poucas vezes os personagens reclamam da falta de dinheiro ou de como estão correndo o risco de perder suas aplicações.

Chelsea tem um namorado, Chris (Chris Santos), um personal trainer cujo trabalho não anda rendendo muito e, por isso, ele tenta outras alternativas – uma delas inclui um final de semana em Las Vegas com um grupo de executivos, mas não se sabe ao certo o porquê de tal viagem. Os negócios, aliás, não vão bem para ninguém. A acompanhante enfrenta o peso da concorrência e os tempos de crise.

Ela quer incrementar seu website, uma possibilidade é contar com uma avaliação de alguém especializado que lhe dê uma alta cotação. Sim, existe um “crítico de programas” – um sujeito que tem uma reputação no meio, passa a noite (gratuitamente) com a moça avaliada e, no dia seguinte, dá a sua cotação.

Dependendo do que ele diz, o preço da garota sobe estratosfericamente. Curiosamente, o personagem é interpretado pelo crítico de cinema Glenn Kenny e a cena se conclui ao som de uma versão da música “Everyone is a critic”.

“Confissões de uma Garota de Programa” se desenvolve num tempo fraturado – as cenas não têm sequência cronológica, mas sempre trazem novas camadas para a compreensão de Chelsea, de Chris, mas, acima de tudo, da natureza humana. A cena final, em especial, deverá incomodar muita gente; é quando uma transação chega ao seu ápice.

Soderbergh dirige o longa a partir de um roteiro de David Levin e Brian Koppelman (a mesma dupla de “Treze Homens e um Novo Segredo”) com a meticulosidade que lhe é comum.

Tecnicamente o filme é de uma beleza hipnótica. Tal qual Jean-Luc Godard, na segunda metade dos anos 1960, aqui o diretor está interessado no desenrolar de um momento mais do que na coerência e concatenação de uma trama. Nesse sentido, “Confissões de uma Garota de Programa” é a decida ao inferno de uma personagem cuja alma foi há muito tempo corrompida pelo dinheiro.

Há também um outro parentesco com Godard. Em “Viver a Vida”, Anna Karina é uma mulher que se perde na prostituição, embora mantenha algumas ideias um pouco românticas sobre o assunto. Chelsea/Sasha Grey é uma empresária que não apenas é a dona da empresa, como também sua funcionária mais aplicada, e por isso mais interessada na lucratividade.

A atriz, cuja filmografia inclui filmes como “Meu Primeiro Pornô 7” e “Invasores de Faces 4”, além de outros títulos impublicáveis, pode não ser o que há de melhor em termos de atuação. Mas Soderbegh não a escalou por acaso.

Certamente, o interesse do diretor está menos focado na facilidade que Sasha tem para remover suas roupas e se permitir qualquer ato sexual e mais no conhecimento que ela tem sobre a negociação para se vender o corpo – afinal, ela não fez nenhum filme gratuitamente. Apesar das limitações dramáticas, a moça é capaz de, numa cena chave, mostrar a autenticidade de sentimentos que tornam a personagem extremamente crível.

Duas décadas depois de sua estreia, Soderbergh continua a colocar sexo e mentiras não mais num videoteipe, mas agora no suporte digital. O que mais assusta, no entanto, é como nesses vinte anos as fantasias mais variadas se tornaram muito mais acessíveis – desde que o interessado tenha verba para as realizar.

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Fonte: Reuters