‘A Teta Assustada’ expõe divisões do Peru

O filme peruano foi vencedor do Urso de Ouro de Berlim 2009 e de melhor filme estrangeiro no Festival de Gramado

(foto: Divulgação)

 

São Paulo- “A Teta Assustada”, o desconcertante título do filme peruano, vencedor do Urso de Ouro em Berlim 2009, pode dar a impressão de que se trata de alguma comédia de costumes. Nada mais falso.

É a tradução literal do nome original deste drama, escrito e dirigido por Claudia Llosa, que vai fundo no retrato de um país profundamente dividido entre culturas distintas. O filme entra em circuito nacional.

Como no trabalho anterior da diretora, “Madeinusa” (2006) – inédito em circuito comercial no Brasil -, a protagonista aqui é Magaly Solier, que acaba de vencer o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado. No mesmo festival, a produção venceu dois outros troféus, melhor longa latino e melhor direção.

Magaly interpreta Fausta, vítima do medo da violação, um sentimento que, segundo a crença indígena local, é passado pelo leite materno. Sua mãe fora vítima de estupro e outras violências, durante a ação do grupo terrorista Sendero Luminoso na zona rural, nos anos 80.

Sem ter vivido diretamente os fatos, Fausta guarda na carne o trauma. Toma, assim, uma decisão drástica: implanta uma batata na vagina para defender-se de eventuais violadores.

O absurdo desta situação poderia levar o filme num caminho bizarro ou inverossímil. Em vez disso, torna-se uma metáfora que, mesmo desafiando a lógica, nunca perde de vista a humanidade da índia.

Fausta teme muitas outras coisas, como sair de casa, o que ela nunca faz sozinha. Com a morte da mãe, este pequeno casulo onde vive começa a abrir-se. Até porque deseja dar à mãe uma sepultura definitiva na terra natal, ela deve começar a trabalhar. Torna-se empregada na casa de uma rica compositora e pianista, Aída (Susi Sánchez). Como ela, uma mulher com problemas de expressão. Fausta quase não fala, a pianista não consegue compor.

O enredo expõe o paralelismo da vida dos índios pobres e dos brancos ricos, que habitam mundos distintos, cultural, econômica e fisicamente. O pesado portão da mansão da pianista nada mais é do que outra metáfora desta separação e desconfiança mútua.

A atividade dos tios de Fausta, conduzindo um modesto bufê de casamentos, é outro exemplo de como a realidade dos ricos é incorporada pelas camadas mais pobres. Nestas festas, imitações da elite transformam-se em caricaturas de luxos inatingíveis, tornados acessíveis pelo clone malfeito ao alcance de todos.

Não é um aspecto menor que as protagonistas dos dois universos sejam mulheres. Seu ponto de vista distinto sobre as coisas coloca-as em choque também com o mundo ainda muito machista, onde uma índia como Fausta é sempre uma caça e uma mulher independente como Aída é vista com desconfiança. Nem por isso o filme se torna maniqueísta.

A escolha de uma câmera bastante estática, distanciada e de movimentos lentos, permite a contemplação dos dilemas de Fausta, que não se dá a conhecer facilmente. Mas é possível assistir a uma evolução na personagem, que tira da mesma cultura primitiva de onde vêm seus medos e superstições também as chaves de uma velha sabedoria para superá-los.

Fonte: Reuters

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