São Paulo perde

Cineastas e MP tentam barrar fechamento de cinema na Rua Augusta

Vendido para a incorporadora Vila 11, o anexo de um dos mais importantes cinemas de São Paulo, onde também fica o Café Fellini, deve ser demolido para abrigar um prédio comercial. Últimas sessões no Espaço Itaú de Cinema estão marcadas para quinta-feira (16)

Café Fellini e Espaço Itaú/Facebook
Café Fellini e Espaço Itaú/Facebook
Embora ainda não tenha passado pelo processo de tombamento, documentos do Departamento de Patrimônio Histórico reconhecem o cinema na Rua Augusta como patrimônio. MP tenta barrar demolição

São Paulo – Setores da sociedade civil tentam barrar a demolição do anexo do Espaço Itaú de Cinema da Rua Augusta, um dos endereços mais tradicionais da cidade de São Paulo e um dos poucos cinemas de rua que restam na capital. A Associação Paulista de Cineastas (Apaci) reuniu mais de 40 nomes em manifesto contra o fechamento – previsto para o próximo dia 28. O anexo existe desde março de 1995, então com o nome de Espaço Unibanco. Na ocasião, as salas 4 e 5 do espaço ampliaram o complexo, que ainda abriga três salas do lado oposto da rua.

No documento, os trabalhadores do audiovisual se somam à luta pelo tombamento do local, que teve início ainda no ano passado. Partiu do Café Fellini, instalado dentro do anexo, a criação de um abaixo-assinado contra a venda do cinema. O documento já reúne mais de 50 mil assinaturas em apoio ao anexo. Mas o imóvel, no entanto, acabou sendo adquirido pela incorporadora Vila 11, que tem como projeto demolir o espaço cultural para abrigar um prédio comercial. 

No final de janeiro, movimentos contrários ao fechamento do cinema passaram a contar com o apoio do Ministério Público do Estado de São Paulo. Na ocasião, o MPE-SP abriu um inquérito civil que ainda pode impedir a demolição. 

Luta pelo tombamento

De acordo com o MP, a abertura se deve ao risco ao patrimônio histórico e cultural da capital paulista que o fechamento do cinema representaria. O documento da promotoria também questiona a omissão do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) em apreciar o pedido de tombamento do endereço. O abaixo-assinado do Café Fellini mostra, por exemplo, que há uma placa do Departamento de Patrimônio Histórico reconhecendo que o anexo é um patrimônio cultural do município, embora ainda não tenha passado pelo processo de tombamento. 

Além disso, o Ministério Público cobra da incorporadora a apresentação do processo da obra que pretende construir no local. Os cineastas, por sua vez, destacam que a notícia da demolição do Espaço Itaú Augusta, onde estão as históricas salas 4 e 5 e o Café, “é mais uma nota do réquiem desta cidade, já totalmente descaracterizada pela febre imobiliária turbinada pela volúpia especulativa do capital financeiro”. 

“Mais um lugar de afeto, do encontro, da cultura, vai desaparecer. Pelo menos é o que está ditando o poder do dinheiro”, contesta a Apaci. A nota ressalta, porém, que os trabalhadores do audiovisual e a sociedade civil “não devem se conformar com isso”. “Quem ainda ama essa cidade, os cinemas de rua, os espaços de sociabilidade, tem que se colocar ao lado daqueles que exigem o tombamento deste lugar com toda a história que ele guarda e projeta”, defende a associação. 

Últimas sessões na próxima quinta

Responsável pelo incentivo à revitalização da rua Augusta no passado e por ofertar cinematografias mundiais, para além do domínio estadunidense, o cinema histórico já tem data para suas últimas sessões. Se o processo de demolição não for impedido, o simbólico filme A Última Floresta, do cineasta Luiz Bolognesi, pode ser o último a ser exibido na quinta-feira (16), às 20h, nas telonas das salas 4 e 5. As sessões especiais terão entrada gratuita. 

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o administrador do espaço, Adhemar Oliveira, responsável desde o início pelo cinema na Rua Augusta, observou, apesar da desilusão, que essas “serão as penúltimas (sessões)”. “Porque as últimas só acontecerão com o fim do mundo. Um cinema jamais é fechado na memória de seus espectadores”, emendou. Enquanto a luta para manter o espaço cultural aberto segue, ele também lembra que foi o cinema que ajudou a promover a formação de público por meio de cursos e projetos como Escola no Cinema, Sessão Cinéfila, Clube do Professor e Curta às Seis, que deu projeção aos curtas-metragistas. 

Entre a incerteza e a esperança

Oliveira chegou a receber oferta de compra do imóvel. Mas o valor de R$ 9 milhões pesou para ele que, como outros setores, precisava se recuperar da pandemia. “Durante o isolamento, não demitimos ninguém, mesmo com o cinema fechado”, disse à reportagem. Os funcionários do anexo deverão ser incorporados ao grupo da sede do cinema. As três salas maiores seguirão instaladas do outro lado da rua. O local, surgido em 1993 como Espaço Banco Nacional de Cinema, pode ainda receber uma ampliação do ambiente do Café Fellini. 

Tanto o administrador como os trabalhadores aguardam, porém, definição do inquérito aberto pelo MP, que pode retardar ou barrar a destruição do cinema de rua.