Política brasileira

Livro aborda histórico e atualidade do integralismo, o fascismo a brasileira

Professores descrevem trajetória do movimento criado por Plínio Salgado, dos anos 1930 aos grupos fascistas que hoje reivindicam a herança do integralismo

Reprodução/Montagem RBA
Reprodução/Montagem RBA
Plínio Salgado (de bigode) conheceu Mussolini (destaque) em 1930. Anos depois, criou seu movimento, que tinha base teórica e chegou a obter adesão expressiva

São Paulo – Criado nos anos 1930, o integralismo brasileiro passou por diversas fases, perdeu seu líder e principal formulador, mas segue presente na política brasileira, inclusive com episódios de violência. Dois professores do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) acabam de lançar o livro O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo (FGV Editora), jogando luz em tema arenoso. Naquele período, representou uma “grande novidade política”, que mexeu com muitas mentes e corações, lembra Odilon Caldeira Neto, um dos autores. Ao lado do colega de empreitada Leandro Pereira Gonçalves, ele participou na noite de ontem (14) de conversa promovida pela editora. A intermediação foi do jornalista Octavio Guedes, autor do prefácio.

A figura central do integralismo é Plínio Salgado. Jornalista e escritor, chegou a ter vínculos com os modernistas em São Paulo. Em 1928, aos 33 anos, elegeu-se deputado estadual pelo PRP – o Partido de Representação Popular. Dois anos depois, em viagem pela Europa, conheceu Benito Mussolini e o fascismo italiano. Foi um “encontro revelador”, diria depois, lembra o professor Leandro. Em 7 de outubro de 1932, era divulgado o chamado Manifesto de Outubro, “certidão de nascimento do integralismo” no Brasil.

Movimento crescente

Estava sendo lançada a Ação Integralista Brasileira (AIB), que teve crescimento significativo no país. “Conseguiu adaptar o fascismo à realidade brasileira. Foi de fato a principal organização de tipo fascista não apenas no Brasil, mas na América Latina”, observa o pesquisador Odilon. E era um partido político, acrescenta Leandro, lembrando que Plínio Salgado chegou a lançar candidatura a presidente para a eleição de 1938. O pleito não aconteceu devido ao período do Estado Novo.

Por falar em Getúlio Vargas, a relação entre ele e os integralistas (os “camisas verdes”, como eram conhecidos) foi ora de aproximação, ora de disputa, segundo os pesquisadores, para quem o presidente conseguiu “dar um nó” no movimento. “Os integralistas achavam que apoiando o golpe conseguiriam tomar o poder por dentro, ou seja, transformar o Estado Novo em Estado integralista”, diz Odilon. Mas Getúlio determinou o fechamento da AIB, entre outras agremiações.

Leandro observa que desde então há uma “fissura” conservadora pelo Ministério da Educação. “Desde os anos 30 a gente vê essa busca, essa preocupação. Plínio Salgado só apoia (Getúlio Vargas) porque recebeu a promessa de que seria o ministro”, afirma. Em maio de 1938, irritados, os integralistas chegaram a atacar o Palácio Guanabara, residência oficial do presidente. Alguns morreram na ofensiva.

Obsessão pela educação

Os professores lembram que os integralistas, obviamente, apoiaram o golpe de 1964. Com a extinção dos antigos partidos, Plínio Salgado entrou na Arena, legenda de sustentação do regime, e foi eleito deputado federal duas vezes. Já havia sido outras duas vezes, em 1958 e 1962. Em 1955, foi candidato à Presidência e recebeu 714 mil votos (8%). O vencedor, Juscelino Kubitschek, teve pouco mais de 3 milhões (quase 36%).

A “fissura” continuou se manifestando no parlamento, durante o período da ditadura. Os autores lembram que, atuante na Comissão de Educação da Câmara, Plínio Salgado contribuiu para a criação da disciplina escolar conhecida como Educação Moral e Cívica, presente no ensino dos anos 1970.

Nomes importantes da cultura e da intelectualidade brasileiras se aproximaram em algum momento do integralismo. Casos, por exemplo, do cineasta Glauber Rocha, do religioso Hélder Câmara e do professor e escritor Abdias Nascimento. Os pesquisadores lembram que o movimento se insurgia contra as chamadas oligarquias políticas e discutia a realidade brasileira. Guedes lembra que Plínio Salgado “era um intelectual, estava muito longe de ser um militante raivoso”.

A violência como prática se revela em momentos recentes do país, como no ataque a um campus da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) em dezembro de 2018, para retirar faixas contra o fascismo. Um anos depois, um grupo de extrema direita reivindicou a autoria do ataque à sede da produtora Porta dos Fundos, também no Rio.

Violência e reorganização

“O componente da violência talvez não tenha sido central na primeira fase, mas retorna agora, no neointegralismo”, comenta Odilon. Ele lembra que não existe um único grupo, mas vários, que “disputam a herança” do movimento criado por Plínio Salgado, que morreu em 1975, aos 80 anos.

A internet foi um fator central para a rearticulação do integralismo, ainda nos anos 1990. Pode-se observar certa linha de continuidade, com a adoção de antigos slogans (“Deus, Pátria e Família”) e uso do Sigma (Σ) como símbolo. E não importa quantos sejam hoje, ressalta Leandro. “O que é importante é a gente observar no cenário político atual o impacto das ideias autoritárias, radicais, de cunho fascista.”